A doce senhora perguntou-me, com um sorriso antigo:
- De onde vem esse teu velho sonho?
- Vem de velhas paragens, cenário de velhos sonhos também teus.
- Curioso saber que meus sonhos ainda estão por lá.
- Curioso saber que depois de tantos anos a senhora ainda não notou que sonhos não morrem jamais, e que aquelas antigas paragens são seu lar definitivo, sua casa nomeada, sua referência ao futuro
- É lá, então, onde se guarda o futuro?
- Sim, na forma de sonhos. Nos meus, nos seus, nos de todo mundo.
- Alguns dos meus sonhos, no entanto, já viraram realidade; de outros desisti, outros viraram pesadelos que me assombram até hoje. E ainda dizes que estão por lá, junto com os teus, meu filho?
- É que, em essência, todos esses sonhos são os mesmos, só mudam-lhes os nomes. E, por serem os mesmos, estão sempre lá. São como semeaduras... prontas as sementes, é como se cada uma aguardasse somente uma mão de coragem para jogá-las no fértil mundo.
- Foram essas minhas mãos um dia.
- Vejo pelo traçado ousado nelas que sim.
- E agora, e do teu sonho, o que fizeste? – tornou a perguntar a velha senhora.
- Nada, estão inertes, no escuro do solo. Aguardo que venha a frondosa árvore para que eu possa comer-lhe o fruto doce.
A velha sorriu novamente. A antiguidade do seu sorriso lembrou-me que há um ciclo em tudo. O ciclo da velha senhora chegava ao fim, eu via. Suas perguntas e suas respostas, as minhas próprias perguntas e respostas me deixaram confuso. Era como se a tênue linha da minha juventude e da sua velhice de repente desaparecesse. Eu, no meio. Ela, no fim. Os sonhos e nossas dúvidas permeando tudo.
Soube do seu reinício depois de alguns dias. Fora a última conversa da senhora dos risos antigos. Para mim, foi o conforto que precisava ao lembrar-me do meu próprio fim. No nosso fim, a bem dizer. Lá onde estaremos todos novamente plantados em solo fértil, qual semente de sonho que aguarda novamente a vida.