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terça-feira, 30 de agosto de 2005

Um sonho invisível que rodopia no ar


Era um fio tênue que prendia o menino ao seu sonho, que flutuava no ar.
Ele o manobrava habilmente, fazendo-o dançar para a direita, para a esquerda e dar voltas no vazio, formando círculos imaginários sobre o fundo azul do céu. Às vezes o sonho vinha em um mergulho profundo em sua direção, parecendo até que queria lhe dar um beijo e subir, rumo aos céus, novamente.

Dançava no ar o sonho do menino. Ele corria de um lado para o outro da rua fervilhante de gente e de carros velozes. Alheio a tudo, tudo o que o menino via era o seu sonho bailando no nada de cor azul.

A noite veio, o sol sumiu, o chão começou a esfriar, e uma lua pela metade começou a aparecer, tímida no céu, anunciando poucas, mas brilhantes estrelas. O menino, no entanto, insistia em ver o seu sonho voar.

Mas a noite não parava de cair e, por isso, ele apertava os olhos para ver pelo menos uma sombra mínima do seu sonho, um rodopio qualquer, mas o que antes estava tão perto de si, agora tinha se perdido na escuridão do céu. “Se for pra sumir, que vá de uma vez, e bem para o alto”, pensou o menino, num repente de libertação.

E o menino soltou as mãos do carretel, deixando que a linha crescesse, dando longas asas ao seu sonho, que agora era livre, em um lugar tão longe, mas tão longe, que nem o menino conseguia imaginar.

O sonho subia, subia, e chegou uma hora que o menino nem mais o sonho via. Só via agora uma estrela, uma única estrela no céu que, contente, lhe sorria.

E nas mãos do menino restava uma linha presa a um sonho que se perdera no alto da noite que caía.

Olhando para o alto, o menino via uma estrela, única no céu, que, agora, por ser a única coisa que ele via, era também o único sonho que possuía.

(dedico este pequeno desvario a todos aqueles que tiveram um dia a coragem de libertar um velho sonho, substituindo-o por uma estrela que, apesar de distante, tem o poder de iluminar uma noite)

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Sobre nuvens e gravetos

Já havia dito em um post anterior que minha mãe anda fazendo esculturas de madeira. Agora, o foco mudou: ela sai à procura, na natureza, de pedaços de madeira seca que lembrem algum animal, ou uma forma qualquer, para depois esculpi-los, pintá-los, acrescentar pernas, braços e finalmente... vida.

Saímos, portanto, no sábado, em busca de gravetos que parecessem com cobras, lagartos, jacarés, sabiás, tucanos, e é incrível como a forma como olhamos as coisas lhes altera imediatamente o sentido. O que era um simples graveto, ainda na natureza, passa a ser um menino, ou uma girafa, ou um bem-te-vi. Isso, de um ângulo, porque de uma outra perspectiva pode transformar-se em um sapo, ou em uma borboleta. Depende da direção que se olha, da pessoa e da boa vontade de cada um.

Catar gravetos na natureza e dar a cada um deles uma forma com o nosso pensamento é como passar horas admirando o céu e vendo em cada nuvem uma coisa diferente. Coisa de criança, ou de adulto que ainda ama ser criança de vez em quando, tirando dos olhos a neblina que faz ver em um graveto que poderia ser um belo beija-flor apenas um pedaço seco de madeira que serviria, no máximo, para fazer uma fogueira.

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E uma senhora que mora lá há algum tempo, pobre, ignorante - e que já se acostumara a catar gravetos para seu fogão de lenha -, admirada, fez o seguinte comentário para minha mãe:

- É incrível como a senhora faz a gente ver coisas que antes a gente não enxergava.
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Abaixo, um dinossauro, um grande largato, uma lagartixa... ou apenas um graveto?


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Mudando de assunto...

(UPDATE)

Minha mais absoluta reverência aos irmãos queridos da Espiritualidade e, principalmente hoje, à Preta Velha que me atendeu no Centro que freqüento. Sua simplicidade me fez escorrer lágrimas nos olhos. Não havia anel de doutor em nenhum de seus dedos, não havia estudos formais, mas um entendimento das coisas da vida que ultrapassa qualquer formatura e lhe é superior em anos-luz pela pureza com que se materializa.

Cheguei para tomar o passe todo cheio de problemas existenciais - que não os tem, afinal? -, passsando por uma breve mas forte tempestade. A entidade me pergunta:

- Sabe o que foi isso que você passou, meu irmão? - imaginem o sotaque de preto velho.

- Não. - respondi, ávido por finalmente entender tudo por que estou passsando. Minha mente incansável esperava uma explicação com detalhes desconhecidos e reveladores.

- Um susto - me respondeu, com a pureza e amorosidade que não se aprende nos livros, mas se absorve pela simples vontade de viver de forma mansa.

Minhas reverências a essa irmã, cujo nome não sei, não importa, mas que me deu o conselho mais sábio e simples que eu poderia receber de álguem hoje!

Ao vento

Tem uma árvore no sítio da minha família que cresceu muito. Ela é alta e pouco complexa: só há folhas e um longo caule que balança ao vento como se fosse a qualquer momento cair, desmoronar, virar um punhado de folhas secas no chão, sem sentido algum.

A boa notícia é que essa mesma árvore já começou a criar galhos inferiores e de perder a sua fragilidade. Os galhos crescem e ela cria uma copa, que lhe deixará muito em breve mais forte e frondosa e o vento passará a sacudi-la, nos momentos de tempestade, e nada acontecerá, a não ser um belo sorriso de árvore, que na realidade sempre soube que encontraria sua base, sempre soube que um belo dia iria ver brotar de seu único e longo caule outros caules igualmente finos e frágeis que cresceriam, dando-lhe sustentáculo, base.

Ontem eu a observava, com meu pai, que há meses atrás se demonstrava preocupado. Com o nascimento dos novos caules, ele suspirou aliviado, em uma frase que não me sai da cabeça:

- Toda árvore está aí para encontrar seu caminho. E com essa, apesar de tardio, o caminho apareceu.

Ser árvore e encontrar um caminho.” Valeu, painho.
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Eu ouvia hoje uma palestra de Trigueirinho. Ele abordava o tema “Sofrimento”, aliás tema muito interessante, já que a vida de todos nós, sem exceção, tem momentos em que a dor chega.

E ele disse coisas interessantes. O sofrimento, por exemplo, é o caminho que a Alma encontra para evoluir, depois que outros recursos menos dolorosos são desprezados – por nossa ignorância mesmo ou por outros motivos.

O primeiro dos outros recursos é a Razão, ou o entendimento racional da necessidade de agir desta ou daquela forma através do mental superior, ou seja, a mente que tudo sabe, diferente da inferior, que é manipuladora, egóica.

O segundo é a Intuição, a voz da alma, que despreza e ignora condições exteriores e, quando fala, nos dá a impressão de ‘saber’ sem um porquê aparente. ‘Saber’, aqui, vem em um estalo, um clique.

O terceiro, segundo ele, é a Instrução, que dá as coordenadas para agir desta ou daquela forma depois que escolhe-se um caminho.

Infelizmente, a maioria de nós passa batida por estas três opções e esbarra no sofrimento. Não me julguem daí como um ‘defensor da necessidade de sofrer para redimir pecados’. Não é nada disso, primeiro porque sequer acredito em pecados, apesar de acreditar na possibilidade de redenção. E, para redimir-se, é preciso entrar em uma viagem profunda em nós mesmos, explorando saídas, significações, situações. É preciso ligar a lanterna direto nos olhos, assustando as pupilas inertes pelo longo sono, é preciso ouvir-se mais e mais vezes, voltar-se para dentro, silenciar-se em respeito ao que se sente, entender os sinais da dor. Quando dialogamos com a nossa dor, vemos ela arrumar as malas aos poucos e começar a partir. Quando a consciência ilumina o espaço onde o sofrimento age, ele começa a desaparecer. Porque o sofrimento é o medo materializado na dor, e o medo não resiste à força da consciência.

É preciso, como diz uma grande amiga minha, viver a vida como se estivéssemos dentro de um trem em movimento, sempre – porque a Vida está em eterno movimento. Olhamos pela janela e vemos passar um cavalo, uma montanha, um homem só, uma nuvem que desenhava um velho sonho. Nós no trem, intactos, aceitando o movimento, aceitando o que vem e logo depois passa.
Porque tudo, tudo mesmo, passa. Até nós mesmos. Amanhã terei passado. E você também.
(se alguém se interessou pelo tema e quiser saber como conseguir a fita da palestra, me manda um e-mail: lesabacos@hotmail.com)

sexta-feira, 26 de agosto de 2005

"VOCÊ ESTÁ AQUI"

Deixar ir, deixar ser. Deixar-se ir, deixar-se ser. Abrir a porta, pôr o tapete vermelho e, com luxo, permitir que se vá, permitir-se ir. Sobre o tapete vermelho, com suavidade, com elegância, com luxo na alma. É preciso abrir os caminhos e desempoeirar a cortina, os móveis, a sala, trocar a roupa de cama, colocar tudo em um saco. A poeira, junto com tudo: ao lixo.

O que resta, é a semente do que se refaz, a nova árvore plantada, o cume futuro de uma viagem ao alto. É preciso chegar e sair com elegância, olhar no relógio e descobrir a hora exata, o momento depois do qual começam a se deteriorar visões sagradas de perfeição. É preciso rearrumar a casa, varrer nossos solos, descobrir as estrelas. É preciso olhar para dentro, desfazer-se de si mesmo e do superficial de si mesmo, acolher o vazio e o silêncio. Silenciar-se nele. Estar nele. Só e por si só. Só é uma benção, só é um momento de retorno. Só é fruto jogado na terra. No silêncio, descobre o seu pior cheiro e seu estado maior de putrefação, mas é vida preparando-se para perfurar de novo a casca em novo verde.
:::
Agora pelo menos eu seu onde estou. Não sei ainda, ou não lembro, de quem eu sou, mas onde estou fincando os meus pés eu sei bem. É como se ontem tivessem me entregado um mapa daqueles que se entregam a turistas, que dizem em letras garrafais, VOCÊ ESTÁ AQUI, e o turista, todo contente, acha que, finalmente, se encontrou. Sabe onde está, mas não sabe onde é este ‘onde’, nem tão pouco o que está ao redor de si. Ele tem de revirar o mapa várias vezes, sempre na proporção que exige a qualidade de sua inteligência espacial. Os desavisados acham que estão no mapa mesmo, outros sabem que, na realidade, ‘estar aqui’ pode significar muito pouco se não se sabe sair dali. Eu, pelo menos, sei que estou aqui – esse 'aqui' é referência exata para mim, agora – e sei que devo sair daqui e sei mais ou menos como: não há transportes, só mesmo meus próprios pés. E o fato de que só posso contar com eles torna a minha viagem mil vezes mais longa. Coisas de quem escolhe os próprios pés. Vai ser bom saber que cheguei lá com meus pés, mas não dispensarei possíveis caronas no caminho. Contanto que saibam me levar pelo menos na direção do lugar que eu sei que devo chegar.
Olho para o alto, para baixo (onde estão, fincados, meus pés), olho para a direita, esquerda, para trás e finalmente para a frente. Localizo-me como uma bússola. Tem um magneto em mim que aponta e diz a minha latitude, longitude, posição com relação a tudo. Se fecho os olhos, continuo sabendo onde estou, se ando, tenho de abrí-los, se páro, não importa, olhos abertos ou fechados, estou sempre ali, ou aqui, ou lá longe, lá longe de mim. É que muitas vezes para saber onde estou, tenho de, eu mesmo, subir ao alto e me ver, fincado, nas letras garrafais que dizem VOCÊ ESTÁ AQUI. É que só assim eu acredito que aquele ser inerte, parado, mesmerizado diante das doze letras garrafais sou mesmo eu.
Finalmente, eu, sabendo onde estou e para onde vou.

terça-feira, 23 de agosto de 2005

Verdade

E tudo que Te peço, meu Deus, é que a verdade esteja sempre entrando pelos meus ouvidos, saindo pela minha boca e sendo vista pelos meus olhos.

Esta semana, especificamente hoje, parto rumo a uma viagem cujo fim desconheço, cujo fim não sei bem qual é, mas que com certeza me levará rumo à Verdade. Assim, com letra maiúscula e pronunciada claramente letra por letra, sílaba por sílaba. A minha Verdade por assim dizer, a mesma Verdade só minha que me habita há séculos, que me retorna e se esvai, em fluxos constantes, a cada vida, a cada dor, a cada toque.

Vou de encontro a Ela e ela virá à tona aos poucos, em suspiros curtos e em outros prolongados, sustos, choros, risos, provocando surtos de lucidez como só a Verdade é capaz de fazer. Aos mais atentos, Ela estará cada vez mais nestas linhas que escrevo e cada vez menos nas entrelinhas, como sempre esteve, em um jogo voraz de esconde-esconde, de inconsciências, de metáforas quase desvendáveis. Estará cada vez mais vinculada ao meu olhar e cada vez menos presente por trás dele.

Quem viver verá.

Namasté!

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Martha aqui

Não publico textos alheios aqui, mas esse me pegou.

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Maturidade
Martha Medeiros - O Globo
UMA AMIGA ME ESCREVE UM E-MAIL dizendo-se arruinada, andou fazendo umas besteiras e agora está curtindo uma deprê gigantesca, daquelas de não ter vontade de sair da cama, de se arrumar, de se depilar: “Vou virar uma mulher peluda, bem horrorosa, pra homem nenhum me querer, assim não me meto mais em fria!” Respondo com um e-mail divertido, e entre uma gracinha e outra dou a ela uns conselhos, uns toques de quem até parece que já passou por tudo e viu tudo. Ela, melhorzinha, responde, declarando-se chocada: “Você está nojenta de tão madura!”
Outra amiga me escreve dizendo estar danada da vida com um ex-namorado que, depois de seduzi-la por meses até fazê-la reavaliar uma reconciliação, agora deu pra se fazer de gostoso, não atender telefonemas. “Qual é a deste cara? Uma hora quer, outra hora não quer. Vou ficar louca!!!” Sugiro a ela que escolha um motivo mais sensato para ficar louca, ex-namorado que ainda mora com a mãe não compensa o chilique. E rimos. E lembramos da adolescência. E trocamos frases espertas. E ela: “De onde você tirou esta serenidade toda? Não vai me dizer que amadureceu? Putz, é contagioso?”
Por via das dúvidas, melhor não se aproximar, vá que pegue. De uma hora para outra fiquei assim, lúcida e diabolicamente tranqüila. Não que os problemas tenham sumido, mas deixaram de ser coisa de outro mundo. Se antes eu perdia o sono quando a grana encurtava, agora é o seguinte: vai dar. Vai pintar um trabalho extra. Olha que dia lindo lá fora. Dá-se um jeito. E à noite, durmo. Durmo como se estivesse num sarcófago, durmo feito a múmia de Tutankamon.
Quando eu pisava na bola com alguém — amiga, marido, mãe, empregada — mergulhava em culpa, considerava a relação perdida, até que me ocorreu uma frase milagrosa para solucionar impasses: “Me desculpe”. Funciona que é uma maravilha.
Marido, eu citei marido? Ele anda sobrecarregado de trabalho, cansado, precisando dar um tempo de tudo, quem não precisa? Pois um amigo dele que mora na Espanha o convidou para uma viagem de barco pelo Mediterrâneo, uns 15 dias. O que eu acho da idéia? Ora, acho sensacional, quisera eu. Vá! Vai lhe fazer um bem danado. Deixa que eu fico na retaguarda com as crianças, não ando mesmo ansiosa por viajar, e estou atarefada demais para sair. Vá você numa boa.
O pior é que não ando mesmo ansiosa por viajar, eu que antes não pensava noutra coisa, não fechava um ano sem pegar as malas e sumir por uns dias. Não ando, aliás, ansiosa por nada. Desde a hora em que acordo até a hora de ir dormir, a lista de providências a tomar é quilométrica, e dou conta de tudo, e se não dou, paciência. Não deu pra ir à academia hoje? Vou quando der. O cabelo está sem corte? Qualquer hora arrumo, o cabeleireiro não vai fugir. Estou com o trabalho atrasado? Sempre dei conta, não vai ser agora que vou estressar. Engordei? Engordei um quilinho. Não deve constar da lista dos pecados mortais. Na alma, que é o que importa, estou esquelética. Leve feito uma pétala.
Fazer o que com tanta maturidade? Chamar um médico, urgente. Isso não é normal.

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

O sumiço da faxineira

Minha faxineira escafedeu-se. Sumiu. Diante da incontestável verdade de que meu quarto estava relativamente sujo e de que eu não me sinto bem em lugares poluídos, eu tive que arregaçar as mangas e ajoelhar no chão para lavar banheiro, passar pano em móveis, encerar, lavar roupa. Minha faxineira, na verdade, me fez um favor. A faxina foi uma terapia – física e mental. A cada esfregada, uma limpeza de um ponto negro na mente, cada gota de sabão, uma gota que purifica a alma. Fiz a metáfora da limpeza valer. Lavava o chão, e com ele esfregava meus sentidos, ensaboava meus pensamentos, jogava um balde de água fria nos meus medos, espanava reentrâncias cheias de pó que ainda se encontrava escondido por entre meus pensamentos desde os dias da minha infância. Descobri, varrendo debaixo da cama, tesouros perdidos e que ainda tem valia e tesouros que já foram tesouros e que hoje valem menos que uma caixa de fósforos. Em posição fetal e olhando para embaixo dos móveis reencontrei espelhos que já não me refletiam mais ou, quebrados, refletiam apenas uma velha parte de mim.

A minha faxina teve seu ápice na hora em que eu me atirei de corpo inteiro na água que caía forte do chuveiro. A água caminhava sobre mim e eu era a casa. A janela, os meus olhos, a porta, a minha boca, as paredes, o meu tronco, o telhado, mais inacessível, a minha cabeça, meus braços e pernas, a escada. Eu, meu próprio faxineiro, eu, minha própria mãe limpando-me as dobras que em breve serão rugas com um pano úmido, suave. Suave como o toque da vida revista, desembaçada, desengordurada, refeita e entregue de novo à sua limpeza primeira. Intacta aos olhos de quem nunca antes a tinha tocado, mas apenas refeita aos meus e aos teus olhos, que compartilham comigo o segredo de que se hoje emana de mim este perfume de limpeza é porque apenas banhei minha alma, dando-lhe um aspecto novo, mas efêmero, como cheiro de rosa que sentimos quando, apressados, cruzamos um jardim em plena primavera.

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Enganos

Engana-se quem acha que se passa deste mundo sem um aperto no peito, uma dor qualquer, um sorriso esmagado. Engana-se quem pensa que não há remédio para qualquer dor ou que não há ferramentas que consertam sorrisos.

Engana-se quem pensa que o caminho é sempre em linha reta, que a cor é sempre azul, que o sol não se põe nunca. Engana-se, igualmente, quem pensa que curvas não descortinam novas paisagens, ignora que um arco-íris é uma chuva feliz de cores e quem não lembra que quando aqui se faz noite é dia em outro lugar do mundo, ou que as estrelas são sóis distantes fazendo força para substituir o astro-rei por algumas horas.

Engana-se quem pensa que na vida não se ouvem ‘nãos’, que as pessoas são sempre estáveis em seus gestos e que a juventude é eterna. Engana-se, igualmente, quem não consegue ver amor em uma resposta negativa, quem ama as pessoas pelas suas estabilidades e quem não se alegra por saber mais a cada ruga que encontra e conta no rosto.

Engana-se quem não vê os dois lados, quem se prende em uma nuvem cinza quando há um arco-íris lá fora, quem esquece de envelhecer a cada dia com dignidade e fazendo valer cada hora. Engana-se quem cobra do mundo uma resposta, um abraço, um obrigado. Engana-se quem acha que o mundo precisa de algo, ou lhe nega algo.

Enganamo-nos todos nós, por vezes, às vezes, todas às vezes. Engana-se quem acha que enganos não acontecem, engana-se que acha que nunca se enganou ou foi enganado. Engana-se quem acha. Sem engano algum, achar já é o maior engano.

Isso tudo, se eu não me engano.

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Enganei-me quando achei que aquela senhora diante de mim era mais uma aluna desatenta, relapsa, que passava a aula inteira olhando através de mim e não para mim. Durante a aula perdeu o ‘x’ da questão várias vezes e teve de contar com a paciência das colegas para entender o que se passava.

- Leo, ao final da aula preciso falar com você.
- Tudo bem, podemos falar sim.

Ao final da aula, sentamos um de frente para o outro, eu com todo o tempo do mundo para ela, ela com todo o tempo do mundo para mim. Lá vêm as explicações, pensei, mas ela foi direto ao assunto:

- Você tem notado que eu não acompanho o ritmo da turma?

Perguntas diretas merecem resposta igualmente diretas:

- Sim. – os olhos dela não baixaram ligeiramente como baixam os olhos dos que puxam uma conversa como essa buscando um ‘não’ como resposta, ou seja, um elogio. Ao contrário, brilharam. Já tinha em mim um cúmplice. Pelo menos eu já reconhecia nela uma dificuldade. Reconhecer é o primeiro passo. E nós dois reconhecíamos o problema.

Me explicou que teve um AVC há sete anos e que, desde então, tem tido muita dificuldade em raciocinar, que perdeu memória, perdeu parcialmente a acuidade visual e que vive à base de medicamentos.

- Os médicos dizem que se eu parar de usar a mente, ela pára. Por isso faço tantos cursos.
- A mente de qualquer um de nós, sem uso, pára, B. Não é só a sua. – respondi, já no intuito de colocá-la no rol dos ‘normais’, afastando o peso da doença.
- Mas meu caso é especial, Leo, e você como meu professor tinha de saber disso.

Assenti, e continuamos a conversa, eu sempre tentando estimulá-la de forma positiva. Surpreendentemente, não foi nada difícil. B. é o otimismo e a força positiva em pessoa. Me deu um abraço ao final da conversa, disse que nunca consegue fazer bem os testes, ao que eu respondi que ela teria, especialmente, três horas para respondê-los (os outros alunos têm apenas 1h40). Dito isto, me abriu um sorriso de tem-alguém-me-ajudando-a-vencer. Me controlei para não chorar, porque as lágrimas vieram com força. Os olhos de B., igualmente mareados durante o abraço, não escondiam a força e a confiança na vida que muitas vezes faltam em mortais felizes e plenamente saudáveis como nós.

É isso, meus irmãos, ser professor é um presente da vida.

Sobre dar mais

Pois saiba que tens muito mais do que imaginas, muito mais do que vês, ouves e sentes com esses teus sentidos limitados e quase inúteis quando a palavra de ordem é ver, ouvir e sentir o que está além desse corpo que tocas. Não entendo, então, porque não distribuis com mais abundância ao mundo, com mais generosidade, este sorriso cheio de dentes brancos e bem cuidados que herdastes dos seus ancestrais ainda banguelos, que moravam na escuridão das cavernas, caçadores, desejos ainda mais primitivos que os nossos. Já evoluímos tanto, já alçamos vôos impensáveis aos que puseram os pés nessa mesma terra há séculos, e ainda insistes nessas emoções do tempos de lá, ainda insistes em não permitir que o mundo saiba a cor dos teus dentes brancos, selecionados, que mordem no prazer e na dor, que mastigam o alimento que te alimenta o corpo, e que podem encantar irremediavelmente os olhos que os vêem abertos em um sorriso. Não entendo porque escondes a tua mão, não a abres num gesto de venha-cá-que-sou-só-seu, venha cá que de unhas grandes mesmo quero te possuir, quero tocar esse mundo, desvendar a cortina, abrir o filme e explorá-lo na sua síntese última.

Esculpir


(para minha mãe, incansável na sua descoberta dos prazeres da vida)

Veio ao mundo para, de tempos em tempos, testar novas profissões. Agora sente como é esculpir madeiras pesadas e entregá-las aos homens, mais leves, mais brilhantes e repletas de desenhos que representavam flores, pássaros e jardins. Pegou todos os troncos no mato, onde cupins de dentes bem afiados já estavam prestes a se instalar, fazendo valer a máxima de Lavoisier de que nada se perde, mas se transforma em fezes de cupim. Inclusive as árvores e mais ainda os guarda-roupas de hoje, feitos de madeira mentirosa – beiju no dente dos insetos amantes da celulose.
No princípio, pesadas, sujas, úmidas. Não vê-se ali um sinal sequer de beleza, um fio de esperança, um destino útil. Aos poucos, às cacetadas, raspadas, pinceladas e furos profundos, começam a surgir sinais do que só na mente ainda existia. Vem um pássaro, uma tulipa, uma flor – distingo as tulipas das outras flores, por achá-las, me desculpem as begônias, as rosas, os jasmins, etc, seres à parte na classificação botânica -, vem um menino de cabelos ao vento, um peixe, um mar inteiro fazendo curvas no tronco. Vão vindo coisas, e as cores sobre elas. Estas coisas todas vêm de um olhar e de mãos que agarram com força pincéis, espátulas, furadeiras, martelos, na ânsia de ver surgir ali, à sua frente, pelo milagre da criação, uma obra de arte dos leigos e corajosos homens que enxergam no resto que deixamos ao chão uma possibilidade, um céu azul, uma flor esculpida no coração.
(fotos aqui amanhã)
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A semana começou e com ela um semestre inteirinho de aulas. Mas quem gosta do que faz, faz sorrindo. Lícia, Carla, eu e Tom. Acreditem: esses sorrissos todos e ainda eram sete da manhã. Ê delícia!

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Cócegas de anjo

O sol ainda não tinha se levantado quando eu fui interrompido no meu sono por umas palavras que jamais lembrarei de novo. Senti cócegas nos pés e por um instante achei que era uma galinha. O toque era de penas. O mais provável, se meu travesseiro não fosse recheado de uma fibra confortável - mas extremamente inflamável -, seria a possibilidade de ter voado uma pena de ganso de dentro de um travesseiro (de onde mais surgiria uma pena no meio da noite?) que voou, voou e veio roçar os meus pés, em um carinho extremamente inapropriado pela hora: eram quatro da manhã.

A sensação de uma pena roçando os meus pés continuou, ainda sinto até agora. E das palavras que me vieram à mente, numa velocidade de pedras rolando montanha abaixo, ficaram apenas três: anjo da guarda. “Esse texto é sobre anjos da guarda”. Era isso, lembro agora de uma frase inteira.

Era um pedido de mim para mim mesmo, talvez. De meu anjo para mim, talvez. Um sonho, uma intuição, não sei. Mas como creio muito nos anjos, apesar do tempo mirrado que me resta para os escritos pessoais nestes dias de atribulações acadêmicas, achei por bem seguir a intuição e respeitar as cócegas nos meus pés. Afinal, não é sempre que um anjo desce à Terra e se dá ao trabalho de, às 4 da manhã, roçar suas penas nos pés imundos de um simples mortal.

:::::::

Não sei das asas, meus queridos anjos, mas sei da luz que vocês irradiam. Dizem que se olharmos para o alto e pararmos os olhos em um lugar fixo, os pontos de luz que piscam são anjos indo e voltando nos seus afazeres angélicos. Sem asas, mas a leveza da luz fazendo-os flutuar, livres, no espaço que nos rodeia. Eles vêm e vão, insaciáveis no trabalho. Anjos são seres que vêm à Terra para prestar serviços aos que se dispõem a abrir-se para a luz que nos trazem.

"Todo mundo tem o seu", sempre disse a minha mãe. "Reze para ele antes de dormir". "Toda criança é protegida por seu anjo da guarda". Eu ainda sou protegido – sei disso com uma força cuja intensidade vocês nem imaginam - e olha que deixei de ser criança há um tempo. Mas, confesso que eu mesmo, por vezes, deixo-os ir. Tento não perder a abertura, o gesto que os atrai, o suco que lhes alimenta a vontade de servir.
Anjos só se aproximam quando sentem leveza no ar. Quando o ar pesa ao nosso redor, quando caímos e nos tornamos meros seres inconscientes, criamos grades poderosas, nos trancamos dentro delas com todos os problemas e o que eles trazem junto, e acabamos por rasgar o convite dos anjos à festa da vida ao nosso redor. Eles não conseguem passar pelas grades, não há mais festa alguma. Tristes – e anjos tristes não formam uma visão agradável, podem acreditar –, vagam, vagam, procurando a leveza. Às vezes pairam sobre jardins, pelo oceano, sobem e descem, sentindo-se inúteis.

Bobos, nós, quando afastamos os anjos. Tanta ajuda, tanta luz disponível e nós os dispensamos, cegos. Às vezes deixamos uma brecha e eles roçam nossos pés, como que num pedido de atenção. Nem galinha, nem ganso. Anjos apenas. Alados, flutuantes, enormes. E só pairam sobre nós quando o que criamos, através de nossos atos, palavras e pensamentos, é a reverência à Vida.

Fiquem atentos, portanto. Eles pairam por aí sempre e, quando a solidão angelical fica insuportável, muitas vezes nos aparecem na forma de um sentimento ou de uma demonstração física rápida e sutil: às vezes na forma de uma vontade de (se) ajudar, muitas vezes numa vontade de chorar um choro abafado, outras em uma ‘esperança inútil’, como dizia Clarice, outras em um olhar que não cansa de inclinar-se para dentro, e outras apenas com um leve roçar de penas nos pés às quatro da manhã.

Não deixe seu anjo sozinho, pinte um arco-íris e abra um sorriso. Isso vai tornar você e ele melhores amigos.

Namasté.

Rapidinhas


------Ainda é agosto, mas andam dizendo, a boca pequena, que o verão já chegou por estas bandas. Como eu não sou bobo nem nada, rolou aquele domingão de sol!!!

-----De férias (?) até amanhã, sete da manhã, quando inicia um novo semestre para mim. Ando meiol ausente sim, mas é que é preciso recarregar as baterias.

----Gente, vocês têm notado como o tempo tem passado depressa? Fiquem atentos para não se deixar atropelar!

--- Quer dar boas risadas? Assista A SOGRA. Não preste muito atenção a Jennifer Lopez (ela quase estragou o filme -- fraquinha, fraquinha...) e se delicie com Jane Fonda, na sua melhor forma.

--No mais, deixem o comentário-- preciso saber se vocês ainda estão aí. Ainda esta semana teremos textos inéditos!

-Namasté.

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

Lendo

Desde 1999, quando coloquei meus olhos em “A Casa dos Budas Ditosos”, de João Ubaldo Ribeiro, não paro de ler. Desde então, tenho sempre um livro em mãos e, por isso, tenho sempre como responder – dizendo a verdade – a clássica pergunta: “O que você está lendo?”. Resposta na ponta da língua.

Sou um apaixonado por páginas enumeradas, escritas e encadernadas. Sou do tipo que compra livros, primeiro, pelo prazer táctil – curto tocá-los, folheá-los, mas acima de tudo, tê-los e obviamente lê-los. Adoro estar em livrarias e escarafunchar cada centímetro de cada estante, e ainda mais sair de lá com uma pilha de livros. É nessa hora que se misturam o consumidor compulsivo e o geminiano-metido-a-querer-saber-tudo. Levo-os para casa – quase sempre é impossível resistir – e sei, diante mão, que alguns deles ficarão na estante esperando a hora certa de serem devorados.

Gosto de ler, mas não leio qualquer coisa – pelo menos em situações normais, não falo aqui daquele momento terrível que, para curar a abstinência, lê-se até bula de remédio. Abomino autores sem estilo, historinhas piegas – me desculpem os amantes de Zíbia Gasparetto, mas aí está uma autora que não entra. Apesar de ser um adepto da doutrina espírita, não consigo ler os livros psicografados por ela. Gosto mesmo é de ler Saramago e aqueles períodos loooongos, que geralmente pedem um retorno à primeira palavra, num trabalho quase artesanal, gosto de Clarice e sua introspecção, o autodescobrir-se em cada letra, em cada palavra, gosto de João Ubaldo e sua crítica ferrenha, ácida, inteligente.

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É preciso, também, respeitar a natureza dos livros. Eles não foram feitos para parar nas estantes, mas para rodopiar e encontrar o maior número possível de olhos. Livros foram feitos para serem lidos e não para morar e mofar em estantes. Empreste seus livros – eles pertencem ao mundo. Guardá-los e esquecê-los em estantes é egoísmo puro, além de ser uma maldade com eles. No entanto, é óbvio que existem aqueles livros que a gente não empresta nunca, não por egoísmo, mas porque são nossos gurus, os mestres que procuramos nas horas aflitas em que precisamos de uma palavra exata.

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Foi somente em 1999, aos 25 anos, que eu comecei a construir a minha carreira de leitor: e tudo começou com um livro – que menciono acima – muito bom, que me ‘pegou’. Me pegou de tal forma, que fui emendando um livro após o outro, e hoje já contabilizo muitos livros lidos. Quando esse hábito chega, é difícil ficar sem ler. Estar sem um ‘livro em mãos’, estar longe do universo mágico de alguma história, é o mesmo que estar despido. Ultimamente, por força do mestrado, tenho me dedicado à leitura de livros teóricos – que também têm seu charme – e, por isso, ainda tento terminar de ler, aos trancos e barrancos, “Ensaio sobre a lucidez”, de Saramago.


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Esse post, como diz
Jorginho, é uma ‘chupada’ de um texto em que Johnny levanta estas questões da leitura. Achei interessante entrar nessa corrente de reflexão a respeito do ato de ler. Se você se interessou pelo assunto, vá lá nos blogs deles, leia os posts e comente. Aproveitando que eu já estou me inspirando em Johnny mesmo, diga aí qual o livro que você anda lendo ou qual o último que você leu.

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E como cultura não se aprende só com os livros, o final de semana promete. Vou assistir: “A rosa púrpura do Cairo”, “Tiros na Broadway”, ambos de Woody Allen, “Cidade das Mulheres” de Fellini, “A excêntrica família de Antonia” e “A Noviça Rebelde”. Alguns já assisti, outros vou rever. Alguém aí topa uma sessãozinha de clássicos?

Superman & C. Kent

Irresistível essa fala de Bill (David Carradine), em Kill Bill 2, sobre a mitologia dos super-heróis. Que lê esse blog sabe que sou fã incondicional desse filmaço de Tarantino. Desculpem ser em inglês, mas faltou coragem para traduzir. E viva a cultura pop!
Bill: An essential characteristic of the superhero mythology is, there's the superhero, and there's the alter ego. Batman is actually Bruce Wayne, Spider-Man is actually Peter Parker. When he wakes up in the morning, he's Peter Parker. He has to put on a costume to become Spider-Man. And it is in that characteristic that Superman stands alone. Superman did not become Superman, Superman was born Superman. When Superman wakes up in the morning, he's Superman. His alter ego is Clark Kent. His outfit with the big red "S", that's the blanket he was wrapped in as a baby when the Kents found him. Those are his clothes. What Kent wears, the glasses, the business suit, that's the costume. That's the costume Superman wears to blend in with us. Clark Kent is how Superman views us. And what are the characteristics of Clark Kent? He's weak, he's unsure of himself... he's a coward. Clark Kent is Superman's critique on the whole human race. Sort of like Beatrix Kiddo and Mrs. Tommy Plympton.

terça-feira, 9 de agosto de 2005

Sempre aqui

Ainda estou por aqui sim, ainda ando por este chão de pedras, ainda estou vendo flores e o sol já se pôs algumas vezes e já nasceu mais outras, mais ainda estou por aqui. Meu ‘aqui’ é um ‘aqui’ que se move, porque meus passos me levam a lugares diferentes, paisagens novas, pedras que doem o pé, mas é sempre o mesmo sol.

Não fugi desse sol que queima, nem me deixei levar pelo turbilhão que nos revolve em cinza morta: estou aqui, repito. Tem-me faltado tempo, mas nunca esperança. Têm-me faltado as horas, mas ainda olho, sim, para o alto, e vejo um céu azul e as montanhas que me formam a paisagem lá ao longe.

Não se preocupem comigo: estou caminhando, e voltarei, sim, com notícias da jornada de pedras que se movem e de apenas um sol.

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Árias e novos ares

Domingo no parque tem cheiro de carne queimando, galinha assada, maçã do amor, suor, verde de árvores antigas, cheiro de grama e de cocô de cachorro, cheiro de pipoca e de algodão-doce. Estes são os cheiros.

O que se vê? Domingo, no parque, vê-se muita gente: crianças jogando bola, garotos e garotas voltando à Idade Média e escondendo-se em labirintos e castelos, pais aflitos, casais de namorados gentilmente locados na grama, sob um lençol antigo, aos beijos e amassos, poodles de madames de lacinhos no cabelo, crianças ricas e felizes, crianças pobres e felizes, crianças ricas e infelizes, crianças pobres e infelizes. Raramente vêem-se gays no parque aos domingos – pelo menos em Salvador. Mas hoje estava cheio. E estava cheio por causa de uma das coisas que se ouvia.

Domingo, no parque, ouvem se muitas coisas: gritos de crianças alegres, uivos de cachorros famintos, ruído de dentes entrando na maçã do amor, de pipoqueiro gritando que a pipoca tá quentinha, eu quero um coco gelado, que dia lindo, que céu mais ainda, mas a Mata Atlântica ainda sobrevive aqui, eu nasci em Salvador mas nunca tinha estado aqui, e ouvia-se, também, um som diferente no ar. Na voz de Edson Cordeiro, ouviam-se árias de Mozart, Puccini, Vivaldi e outros. Sim, ontem no parque ouvia-se ópera, também. E o povo aplaudiu, e os gays estavam lá, no parque, às onze da manhã, para apreciar música erudita. É bem verdade que não por causa da música em si, mas por causa do cantor.

A verdade é que eu nunca tinha visto tantas tribos, tantos cheiros e tantas cores misturadas em um dia comum que não fosse carnaval. E foi muito bonito, apesar do calor infernal que fazia. Tinha gente trepando nos barrancos ao redor da arena e tinha gente, como eu, me arrepiando inteirinho com as árias. Inusitado, no mínimo, mas muito bom.

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Sexta teve Carne, sangrando nos dentes. Bailarinos e atores se jogando no chão, velas tocando corpos, uvas, homem com homem, mulher com mulher, cadeira de rodas, cunilíngua, nomes pesados, cenas pesadas, morte, tragédia. Platéia vermelha nas bochechas, mãos ardendo ao final. Nelson Rodrigues.


Quem não viu ainda, imperdível. “Carne em Verbo”, da minha amiga Rita Leone. Para os amantes de um bom texto, dança, direção e produção cuidadas, muito tapa na cara e instintos à flor da pele. Cabaré dos Novos (Teatro Vila Velha), sextas e sábados, às 19h. preço único: cinco reais.

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Assisti, mais duas vezes - só neste final de semana - , Kill Bill 2. Como é que um filme pode ser tão bom assim?

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(Cedi a ti muitos dias atrás. Agora invades meu sono tranqüilo, e me encolho no palmo que resta da cama para que possas estirar-se de corpo inteiro sobre o leito que tomastes, agora, como teu, e que te entrego, porque, para mim, nada quero que não sejam essas pernas longas, estes braços em cruz, este corpo inteiro jogado a esmo nos lençóis que eu mesmo troco e do qual só tenho direito a este palmo, onde me encolho e durmo, sabendo que tudo agora é maior vida.)

sexta-feira, 5 de agosto de 2005

Carta ao Parlamento

Ilustres Deputados e Senadores,
Minha esperança por este país vem desde a época em que eu ainda pensava em começar a engatinhar. Passou pelas Copas do Mundo e pela bandeira de um quilômetro que minha mãe costurava e ainda costura a cada quatro anos, passou por cada uma das eleições - as que eu votei e as que a idade não me deixou votar -, pelas aulas de OSPB, EMC, filhotinhas da ditadura, pelas horas e horas que passava tentando decorar os Estados e suas respectivas capitais, pela força que fazia para cantar o Hino Nacional embaixo de sol ou chuva às sete da manhã no Colégio São José, pelo amor e respeito que meus pais me ensinaram que eu devia ter aos Símbolos Nacionais. Meu amor e esperança pelo Brasil se aguçaram ainda mais quando eu saí daqui, aos 18 anos, para explorar, sozinho, o mundo, e voltei, seis meses depois, com mais saudade e amor do que nunca tive pela esquina onde eu nasci.
Meu amor por esse país me faz lembrar quase todos os dias a ditadura, que me ninou ainda no berço. Criança, ainda, eu nem sequer sabia o que era aquilo. Vivi meus primeiros onze anos em um país sem democracia, mas a minha infância fez tudo parecer lindo, pela distância-prêmio das coisas ruins que é concedida aos miúdos. Não vivi conscientemente o período da ditadura, mas aqueles dias, hoje, me marejam os olhos, nas lembranças das músicas cheias de dor e de ousadia e inteligência de Chico, ou nas imagens da época em que tudo que se queria era a liberdade. Não precisei ter vivido a ditadura para ter uma idéia da dor de viver em um país onde não se pode respirar. As minha raízes emocionais e racionais estão aqui, nesse chão que eu piso, que me deu e dá abrigo, e que vocês, daí de Brasília, dizem tomar conta.

Hoje, bem ou mal, respiramos ares mais livres, graças a alguns de vocês que acreditaram em um sonho, e graças a muitos cidadãos que morreram nos porões da ditadura. Nestes últimos meses, no entanto, nos sentimos tolhidos em outras coisas talvez tão ou mais importantes do que a liberdade. Muitos de vocês estão aí no Parlamento armando um circo de mentiras e tentam nos tolher, hoje, do direito de não sermos idiotas. Agem e nos tratam como se fôssemos um bando de criancinhas acreditando e se divertindo com as maluquices subaquáticas de Bob Esponja. Nos tratam não mais com mordaças, mas supõem que usamos, ainda, uma venda nos olhos. Quero que vocês saibam que não. Não somos mais criancinhas, nem tão pouco temos vendas nos olhos. Vocês podem ainda não ter notado, na burrice crônica dos que só conseguem ver os próprios umbigos e não levantam os olhos para ver, de cima, a própria sociedade para a qual formulam leis, que nós, brasileiros, mudamos. Não mudou apenas a esperança que aprendemos a ter, como povo sofrido que somos. Não mudou a cor da bandeira que rimos e choramos em cima, não mudou o respeito que temos por este chão que pisamos. Mudou, sim, a forma como olhamos para vocês. E, acreditem, isso muda tudo. Não aceitamos mais resultados pífios, não aceitamos mais acordões e afins. Queremos mudança. Não queremos pizzas. Fechamos as pizzarias, abolimos a massa do nosso cardápio.
Nunca estivemos com os olhos tão grudados nesses sorrisos falsos que ganharam votos, um dia, nos enganando, na pálpebra que sobe levemente na hora de contar uma mentira, no tom de voz que recua e insinua uma omissão, na memória que esquece, na boca que se fecha na hora que lhe é mais conveniente. Cansamos de suas conveniências, senhores. Estamos atentos, ilustríssimos deputados e senadores, nós somos aquela câmera de lente longa, direto nos seus olhos, e não queremos pizza desta vez. Porque, desta vez, há um ar novo, um quê de esperança-verdadeira. Não porque vocês mudaram, mas porque os tempos mudaram, nós mudamos, a vibração é outra e a reação às suas ações são muito mais visíveis e atuantes do que na época do radinho de pilha.
Estamos de olho. Do forno a gente quer ver sair é mais feijão na nossa mesa, mais lenha pronta para a nossa fogueira de esperanças e vontades. Não ousem a nos dar menos que isso. Nossos sentidos estão atentos.
Cordialmente,
Leandro Costa e os que abaixo comentam e assinam.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Sim, sou feliz.

Sim, tenho muitas razões para ser feliz. Sou perfeito em carne, osso, alma, cheiro e sabor, tenho meus sentidos apurados, todos em funcionamento perfeito, tenho descoberto outros e tentado pô-los em ação, sou inteligente, às vezes sei raciocinar de forma lógica, às vezes não enxergo um palmo à minha frente, sei das minhas limitações e procuro apurá-las, tenho consciência dos meus pés, mãos, dedos, olhos e boca, sei onde estão e o que fazer com cada um deles, sei onde estão a maioria dos caminhos, como andar sobre eles evitando buracos ou até mesmo me jogando em alguns por necessidade ou pura diversão. Sou feliz porque tenho gente que respira ao meu redor, porque há ar suficiente para que eu respire junto com elas, porque há espelhos, sacadas, jardins, onde quer que meus olhos vão. Sou feliz porque há montanhas para serem escaladas, lugares que ainda nunca vi, feliz porque tenho dúvidas e certezas, sempre em um equilíbrio tal, que posso sempre cruzar de um prédio a outro em corda bamba. Sorrio porque existe o medo, que me pára na hora de pôr a mão no fogo, porque há a inveja, que me faz olhar para o pico daquela montanha, porque existe tudo o que não me serve, porque por eles eu sei o que é o Amor e, assim, traço a minha rota. Sou feliz porque há as palavras e com elas, de mãos dadas, a poesia, feliz por ter acesso à beleza da vida, feliz porque há pessoas no meu caminho me indicando o caminho das flores, feliz porque sou colorido, e cada cor que me pinta é uma oferenda a um altar de um deus mais afável que o outro. Sou feliz porque tem um teto que me cobre, uma chuva que me molha, um pingo que me turva a visão e um colírio que me ajuda a ver através da máscara. Feliz porque existem os reis e seus tronos, os mendigos e suas latas de lixo, porque nas diferenças é que enxergo que eu sou feliz porque ainda há uma missão, um percurso, um fim.
Sou feliz porque tem você e seu olhar intenso me perfurando, tem você me mostrando o que sou, você, às vezes espelho, às vezes madeira queimada que não me reflete nada. Sou feliz porque... eu sou.

terça-feira, 2 de agosto de 2005

Dissecando Deus

Mas é que só podes Me entender se Me analisares na Minha estrutura profunda. Faço sentido, muitas vezes, nesses gestos, olhares, mãos, pés. Seqüência de gestos, de palavras, mãos, pés e órgão. Seqüências inteiras de dores, medos, angústias. Seqüências inacabáveis de alegrias, beijos, gritos, sussurros. Sou um depois do outro em ordem clara e decifrável. As Minhas seqüências fazem sentido, sim, mas só quando olhas para Mim de fora.
Proponho o olhar de dentro, proponho que Me analises na Minha estrutura mais profunda. Não há coerência em Mim na maioria das vezes em que o que digo é coeso. Não há coesão em Mim, apesar de muitas vezes estas palavras soltas não fazerem o mínimo de sentido aos teus ouvidos. Queres Me conhecer? Pois bem, entra, então, por entre estas Minhas entranhas mal-organizadas, feitas de material que não acaba assim, pelas tempestades, cubra-se, pondo-me dentro desse circo que montas, olha-Me no escuro, no claro e à meia-luz, explora todas as perspectivas, todos os sentidos possíveis, torna-os objeto de teu estudo, escreva teses sobre Mim, debruça-se sobre o Meu corpo em aula de anatomia e disseca-Me o cadáver inteiro: PARA CADA VEIA, CADA ARTÉRIA, CADA PEDAÇO DE EPIDERME QUE TU RASGAS, SURGE UMA OUTRA CAMADA ESPESSA QUE NÃO CONHECIAS ANTES.
Sim, terás que debruçar sobre o Meu corpo por dias a fio, sentir o Meu cheiro decomposto, acostumar-se a ele, travar com teus próprios sentidos a guerra sem fim: anti-corpos, números, sons e cores estão neste corpo Meu debruçado sobre a maca. Não vês, então, coerência alguma?
Tolo, tu. Não sabes que nada ficou aí, não reconheces aí o pó para onde tudo vai? O que pesquisas, o que queres descobrir, não está mais sobre essa mesa gelada, nem diante de teus óculos de gente cega. Está aqui, pairando sobre ti.
Muda a tua perspectiva uma vez apenas, que seja, e olha para o alto. É a Minha Alma que adeja sobre ti.
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Quem não foi ao sarau de Paulo Leminski no Dezoitão perdeu. Próximo sarau: Augusto dos Anjos, primeira segunda de setembro.
Programão pra quem gosta de literatura e quem ama poesia!
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Não deixem de ler o post de baixo. Tem dois hoje.

Alianças

Elevador Lacerda. Eu dentro. Entra um cara com cara de mendigo. Duas alianças no dedo. Mas não no próprio dedo, se me entendem.
- Diga, americano! – aqui na Bahia, qualquer branquinho no Centro Histórico é americano. Vocês nem imaginam quantas fitinhas do Senhor do Bonfim eu ganho nos meus passeios pelo Pelô.
- Não sou americano, sou baiano igual a você.
- Quer comprar? – me mostrou as alianças – 5 real as duas.
- Não, obrigado. A aparência dele era suja, cabelo pintado com água oxigenada, ele era negro e loiro, tudo ao mesmo tempo.
- Duas alianças? Cadê sua mulher? - perguntou o ascensorista. Daqui até a Cidade Baixa, eu só ouviria.
- Eu larguei.
- Mas por quê?
- Ela me deu um corno – assumiu o homem, para o elevador inteiro.
- E se ela quiser voltar?
- Aí eu volto, né? Eu amo ela.
- E as crianças?
- Tão em casa.
- Em casa? E quem toma conta?
- O Ricardão.
- E você vai lá?
- De vez em quando. Quando nada, eu vejo ela, né?
- E se o cara tiver lá?
- Tem nada não. Durmo no chão.

Em menos de um minuto teve essa pérola do corno manso. Descia o Elevador, descíamos eu e mais vinte juntos. Abriram a porta, mas não precisava ter visto a Praça Cairu e o Mercado Modelo para saber que estava na Bahia.

Não comprei as alianças.

segunda-feira, 1 de agosto de 2005

De dentro

Da janela já sinto esse cheiro de chuva que caiu há pouco. Não vi a chuva, mas o cheiro que deixou me ativou os outros sentidos. Não preciso ver a chuva para saber que ela esteve por aqui, não preciso te olhar direto nos olhos ou estar preso à tua íris brilhante para saber que me olhas. Não preciso percorrer teus caminhos para saber em que direção vais ou de onde viestes, não preciso comer do teu pão para saber o gosto que tua língua sente. Não preciso ouvir a tua música para entrar dó-ré-mi-fá nos teus ouvidos, não preciso ser teu chão para saber que pisas forte, suas mãos para tocar-me e sentir-me a mim mesmo pelas tuas palmas abertas, palmas pedintes de mendigo faminto. Não preciso ser tua saliva para ter abrigo no quente da tua boca, ou ser teu mendigo para ouvir o não mentiroso gerado pelos teus lábios. Não preciso ser glote, palato ou língua para fazer tuas as minhas palavras, não preciso ser teu indicador molhado de saliva para saber em que vento tu vens, ou ser teu estômago para sorver tua fome de risco, fome que, mesmo aplacada, volta, porque insistes em cuspi-la fora. Não preciso ser a ponta dos teus dedos para dedilhar tuas notas, não preciso ser teus olhos para, fechados, sonhar-te, não preciso ser o lado direito da cama para sentir o torpor do escuro das tuas noites. Não preciso ser teus ouvidos para ouvir o que eu mesmo sussuro, quente, direto na fonte morna, não preciso ser teus lábios para tocar os meus, sentindo-me a mim mesmo.
Preciso é ser teu cálice, onde expeles o resto do que tens e que eu sorveria, teu escravo, até a última gota, preciso é estar fora de ti e ver-te por outros olhos para descobrir os caminhos teus, preciso da visão do ausente, do distante, porque é dessa distância que descobrirei o que mais preciso para sorver-te, por completo.

Tu: pó no meu cálice.

Eu: água que te dissolve.
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Não sei se já notaram, mas aí na canto direito tem umas fotinhas piscando... clicando alí, você entra no meu MOBLOG, muito legal. Lá tem muitas fotos, e o melhor: todas podem receber um comentário seu!!