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quinta-feira, 29 de setembro de 2005

[chuva, suor e leveza]


Aprende-se com o tempo e com o suor que cai da testa que a vida é uma grande brincadeira. Que não há arma que não caia ao chão ao avistar um sorriso, que não existe argumento poderoso o suficiente para resistir a um olhar que ri. É pela leveza da crença que tudo, na realidade, não passa de um grande teatro, onde nós criamos e recriamos personagens complexos a cada instante e para cada espelho diferente que pomos à nossa frente, que relaxamos e rimos dos absurdos e dos medos. Rimos com a vida, enfim.

Hoje eu aprendi que é pela leveza que se conquistam imensidões, que é pela leveza que quebra-se o iceberg do primeiro contato, do primeiro toque, do primeiro ‘oi’ dito em frases trêmulas. É pela leveza que os Mestres nascem, renascem, dão flores leves e de perfumes suaves ao mundo. Flores que já nascem sorrindo e pedindo por favor, me olhem e me toquem e me cheirem com leveza de alma.

Brincar de viver é fingir-se o tempo todo e olhar no alto os pássaros que voam, leves. É sentir-se como partículas suspensas no ar que percorrem mundos inteiros só porque não pesam, só porque riem, só porque não ligam se sopra o vento norte ou noroeste, ou se seu destino é, no mar, virar areia que um dia formará uma concha ou, no concreto de uma grande cidade, transformar-se em poeira que um dia será colhida por pá.

Quem sorri pouco se importa, pouco vê, pouco quer. Quem sorri, na realidade, não está nem aí para o que está diante dos olhos, mas dá um mundo pelo que está por trás da íris. Quem descobriu a leveza e o bom-humor como armas para travar a guerra com o outro, descobriu-se em um local onde só há perfumes, brisas constantes e onde o suor, essa água que escorre pela testa nos momentos em que falta a leveza e a suavidade, é apenas um sinal antigo de que o tempo das angústias já se foi.

(se é pra rir que ria largamente, com todos os dentes bem postos pra fora, se é pra rir que sejam reinventadas as risadas mais sonoras, daquelas que acordam velhas múmias egípcias fazendo-as dançar por longas horas. Se é pra sorrir que seja um sorriso todo meu, esses seus dentes brancos e pesados, lábios que se contorcem todos em espasmos de saliva que voa como fogos de artifício. Se é para sorrir, que seja sempre meu o teu sorriso, que sempre seja de mim que vem a causa, que seja sempre seu, eu, teu motivo para ser leve, sorrir dias suaves e gargalhar nossas tão guardadas alegrias.)

[cheirando balões]


O que quero é um beijo na entrada, outro na saída e outro no meio de tudo, quando a chegada já é distante e a saída também.
Isso porque é no meio – e não na chegada ou na despedida – que mais sinto falta do seu beijo. Não quero ouvir a tua voz todos os dias, mas quero ouvi-la quente nos dias em que me presenteias com o celular vibrando, inteiro, no meu bolso, quero ouvi-la em todas as suas nuances, quero ver teus olhos pelo telefone, quero pegar em tua mão pela linha, seus pensamentos em onda de rádio vindo aos meus...
(...ai como odeio as reticências...)

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

[prévia]

Não é à toa que você chegou até aqui, não é à toa que acidentalmente você me conectou, não é por nada que você está lendo estas palavras agora. Não é sem motivo que você vem aqui todos os dias, que você comenta, ou não comenta, que você se identifica, ou acha que esse-rapaz-não-poderia-ter-sido-mais-estúpido-em-sua-colocação-hoje. Não é à toa que eu escrevo isso, ou já escrevi os mais de quatrocentos posts em quase um ano, e não é à toa que você chegou da mesma forma como outros chegaram um dia e nunca mais voltaram.

Não é sem razão que uns apenas passam, outros ficam e outros permanecem, mas só pela metade. Não é sem motivo que às vezes o que escrevo não lhe diz absolutamente nada, mas ao mesmo tempo faz chorar uma outra pessoa. Não é coincidência o fato de que seu pouso diário neste ninho que às vezes ilumino e às vezes torno obscuro a ponto de fazer você sair mais confuso que entrou, tornou-se um hábito. Isso para os que vêm aqui sempre. Para os que não vêm, esse não vir também não é sem motivos.

Nada é sem motivo, porque se estou aqui e você está aí, já aconteceu um milagre. O milagre do encontro, o milagre da comunicação, o milagre da junção. E este blog é a experiência de vida mais saudável que eu poderia ter nesses 11 meses e meio em que ele existe, feroz, pacífico, amoroso, oculto, reticente, parcial, tolerante, óbvio, como eu mesmo, como você, como todos nós. Se não fôssemos todos assim, tão cheios de diversidades e especificidades tão humanas, não conseguiríamos sustentar esse relacionamento de trocas tão felizes há tanto.

Dia 16 o Diário Evolutivo faz um ano de vida e esta é uma prévia. Prepare-se.

[o meio do nada]

Era uma casinha feita ao longe. Embaixo dela, um lago, ao redor, um mundo sem fim e acima um céu por vezes azul, por vezes estrelado.

Era uma casinha de sonho, longe, perdida no meio do nada, meio como nós, quando encontramos um canto de aconchego em um coração que repousa, como a casinha, em uma bela paisagem, e nos juntamos a ela, felizes, para compor uma fotografia de sonho.

[essa é pra você]

Essa vai para todos aqueles que acreditam e tem fé que o mundo gira e que essa estrela que está aí agora, amanhã pode transformar-se em bilhões de pedaços de areia cósmica e tornar-se invisível aos nossos olhos, mas permanecer tão ou mais presente do que antes, quando era um enorme astro brilhante, visível a nós mortais e terráqueos a anos-luz de distância.

Essa vai para quem acredita e pensa sobre mudanças, sobre espalhar-se e transformar-se, sobre ser um astro e depois não ser mais, é sobre perder e ganhar, é sobre o velho ditado que diz que Deus fecha uma porta e sempre abre uma, duas janelas. Não vou explorar aqui casos, situações, mas só convidar você a pensar se realmente é um desses que acredita que o mundo gira, que é inexorável a presença da sua rotação constante, que os dias e noites se sucedem mesmo que não se queira, e mesmo que custem as horas para passar elas estão sempre passando, e que o contrário é também verdade.

É para você que já quebrou uma perna só para descobrir o quão era importante andar, para você que encontrou uma pérola valiosa só para descobrir que não precisa de riquezas, para você que descobriu que é no escuro que nos descobrimos luz, e para você que já perdeu, mas descobriu que nunca se perde, mas se ganha sempre. É para você que, enfim, crê em Lavoisier e vê que nada se perde e que tudo se transforma em cada esquina e em cada palavra que diz. É para você que acredita que a palavra é poderosa, e os pensamentos são mais ainda, porque são eles que fazem essa transformação, pra você que sabe lá dentro, com toda força que tem, que o tempo passa, mas ele pode ser ajudado se nos arrumarmos por dentro, se fecharmos o quebra-cabeça, se esvaziarmos as nossas incoerências, se colocarmos hífens nas palavras soltas, formando novos adjetivos, substantivos, nomes e sentenças inteiras revisitadas por nós mesmos.

Essa, enfim, é para você que acredita em milagres e sabe que você mesmo é um milagre absoluto de Deus ou se preferir da Vida, ou do Cosmos inteiro que não pára de arder, que não pára de se modificar a cada instante. Essa é pra você que ao invés de ficar parado aí, vem junto com a Vida, com Deus, com o Cosmos, é para você que não estagnou, que refaz milagres a cada instante, porque sabe lá no fundo que são eles, os milagres, que movem a própria vida.

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

[JC]




"Eu sou
o Caminho,
a Verdade
e a Vida. "


(faltava aqui uma homenagem ao meu Grande Mestre)

domingo, 25 de setembro de 2005

[notícias da terra-que-tudo-imita]

Mas é o espelho, sempre ele, o espelho, anunciando você mesmo, dizendo com ponteiros magnetizados de bússola, norte, sul, leste, oeste, o ponto onde você está. E você está – se procura perceber – em frente ao espelho. A vida é o espelho que delata você, é você mesmo pedindo uma resposta, e a resposta está no outro, que por sua vez é você, dentro do próprio espelho. Chega um, chegam dois e mais um e mais dois, e já se enxerga uma multidão, e essa multidão inteira é você em pedaços, peça de um mosaico de espelhos cujas imagens congeladas se movem cada vez que você realiza um gesto.

Inteiro, aos pedaços, formando mosaicos, ou um corpo inteiro, não importa. A vida sempre lhe providenciará um espelho, mas você nem sempre pegará o espelho nas mãos, nem sempre se posocionará em frente a ele, você vai fugir, ou a luz que reflete de volta – ou o buraco negro, o extremo oposto disso - vai afugentá-lo.

Você, vampiro involuntário de si mesmo, ali no espelho em luz ofuscante, escondido na caverna escura onde não há luz, onde os espelhos morrem de tédio por serem tão inúteis. Você, que negará muitas vezes a imagem à sua frente, com gritos, dores, sofrimentos, ou total displicência, estará diante de um infinito que é o mesmo que está às suas costas, mas que só o espelho reflete. No entanto, insistirá em não vê-lo, por que desse lado você dá as costas para ele todo o tempo.

Até que o espelho se quebra em mil pedaços, vira pó, luz volátil, desaparece à sua frente e o que guarda – não mais o infinito, porque esse, gasoso, já está nas atmosferas – aparece, febril, possante, desesperador, à sua frente: o monstro dos espelhos, que te pediu tanto, lá de seu próprio mundo, um afago, pula em seu pescoço, cortando sua respiração e lhe pede agora carícias e atenção. Você, fraco, momentaneamente não resiste e sucumbe ao monstro que fora aprisionado na terra-que-tudo-imita para proteger você mesmo.

Sua dor reconstrói os pedaços que pairam ainda no ar – essa dor dura o tempo inverso à sua coragem -, e reconstrói um velho espelho à sua frente, onde só está você, homem de idades esquecidas, cercado pelo infinito, você sorridente e dono da luz que antes pertencia a ele, o espelho.

[peso d'alma]

Teu corpo sobre o meu
É que faz a minha alma subir
E pairar, leve
em tua órbita.
Mesmo pesada,
a minha alma,
- por ser eu ladrão dos teus beijos –
mesmo com pesos imensos
que a seguram no chão,
ela paira leve,

(a minha-agora-nossa-alma)
sob nossos corpos

[lá do baú]

Se não tivesse sido por ele, talvez eu não estivesse cantarolando que é preciso ter em fé em Deus e fé na vida, não estivesse pensando no que somos além disso tudo que vemos, não acreditaria que não podemos nos manter assim, com os pés nesse mesmo chão, olhando e sendo visto da mesma forma, e que é preciso metamorfosear-se sempre.

Raul, em cartaz no ISBA, 20h.
(não dá pra não ver)

sábado, 24 de setembro de 2005

[quatro folhas]


E é sorte tudo que quero e te desejo. Sorte na hora mesmo de por os pés no chão, na hora de levantar os olhos mais um pouco, permitindo-se ver em outras perspectivas, sorte dentro dessa plantação imensa de trevos, que é onde estás, mas ainda não percebes, porque insistes em manter o olhar na altura exata do seu metro e setenta.

sexta-feira, 23 de setembro de 2005

[pára-quedas]

Estou em queda livre, pousando em um mundo em que jamais estive, em um mundo cujo chão não sei a aspereza, porque meus pés jamais o tocaram. Estou chegando protegido, pois a atmosfera local ainda não é conhecida e um gesto meu pode ser fatal. Respiração curta, é assim que me protejo – é que eu ainda acho que se aspirar tudo de vez vem muito para os meus pulmões e, por isso, controlo o tanto de ar que ingiro. Mas tenho paciência comigo mesmo, pois estar em mundo novo, onde ainda preciso fazer minhas narinas morarem em um capacete de onde inspiro velhos, mas reconfortantes ares, não é fácil.

Foi preciso coragem, e já pulei da nave que ainda flutua na atmosfera deste planeta agora tão próximo aos meus pés, mas tão distante, ainda, do meu entendimento.

[beijo do dindo]


:::não, não tem nada
mais gostoso no mundo:::


Atualização, 6 horas depois:
será que não?

[novo amor, velho amor]

::: tudo a que você poderia ter acesso está codificado dentro de mim:::
Se estou namorando? Estou sim.

Está sendo um reencontro daqueles de anos. Reencontro marcado por velhas saudades e surpresas que não deveriam ser surpresas, posto que já nos conhecemos há tanto. Mas surpresas não têm faltado, e descobrir que depois de tanto tempo ainda podemos ser completamente estranhos um ao outro é a maior delas. Harmonia, muita, mas só às vezes mesmo, devo admitir.

É um relacionamento cheio de percalços, daqueles em que um quer e o outro não e quando os dois querem falta alguma coisa. Sempre falta alguma coisa, porque nunca temos a coragem de entrar de cabeça nos nossos mundos. E é preciso. Quando nos deparamos com situações ambíguas, aí sim, fazemos essa viagem, mas ela dura pouco. Dura o tamanho exato da dor, e então, respirando ares mais calmos, voltamos às superficialidades, deixamos até de nos ver por um tempo, encontramos outras pessoas que julgamos poder moldar até formar a nossa outra metade - a metade perfeita cuja ilusão da existência nos afasta sempre - mas inevitavelmente, por sermos um caso mal resolvido, sempre voltamos um para o outro, num ciclo confuso, intrigante, doloroso até.

Mas nem tudo são percalços, afinal de contas um relacionamento não duraria tanto assim, sobrevivendo a tempestades, não fossem os momentos de luz. E nossos maiores momentos de luz são aqueles que vemos na fotografia: não há dois, mas um só sorriso, não há quatro, mas apenas dois olhos de brilho intenso, não há duas, mas uma só pessoa, e o fotógrafo, pasmo, revela novamente a foto, mas não adianta: ali só tem um.

Não tem nós, mas eu apenas, harmonioso, cheio de vida interior intensa, cheio de mim mesmo lá dentro.

E você, tem andado enamorado (a) de si mesmo (a)?
(Se é para dar as mãos, então que seja às minhas mesmo, cujos sulcos reconheço ao toque, e cujas entranhas eu já percorri, quirólogo eu mesmo do meu destino, eu mesmo leitor assíduo dos traços que cortam as minhas palmas. Se é para dar as mãos, que sejam as mesmas palmas suadas que lembram em mim a infância morna, o primeiro beijo, o teste, os fins e os reencontros. Se é para dar as mãos, que sejam em um ato de reconcilição com meus próprios dedos que apontam, distraem, redimem. Se é para dar as mãos, que tomem logo as duas, e seremos quatro membros que tocam, enxugam lágrimas e apertam novas mãos como novos amigos.)

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

[sim, sin]


:: iaiá,
se eu peco
é na vontade
de ter um amor
de verdade ::
los hermanos

[auto-limpante]

Começar a fazer terapia é igual a entrar no seu próprio quarto quando a faxineira não aparece há séculos.
Sim, a minha faxineira sumiu mesmo e desde aquele post que ela não dá as caras - quem vem sempre aqui sabe. Mas por que a analogia com a terapia? Porque começar a ser analisado é entrar em um ambiente com roupas no chão, poeiras pelo canto, e muita, muita coisa em cima da outra, em um caos (quase) profundo. Saímos da sessão, aparentemente, piores do que entramos. Mas é só a aparência, porque, na realidade, o contato com a desarrumação interna nos deixa com a sensação de que está tudo errado. E essa sensação-de-que-está-tudo-errado é o primeiro passo rumo a cura.
Pois é, meu quarto. Não acredito que as coisas que nos acontecem aconteçam à toa. Não é à toa que ele anda desarrumado, não é à toa que não quero uma faxineira - eu disse 'não quero'? - ato falho. Pois é, - voltando ao consciente - não consigooo achaaaar uma faxineira, etc. Tudo desculpa. Acho que eu quero mesmo é realizar o 'ato da faxina ', que já descrevi como um 'limpador da própria alma' há alguns dias atrás. Aí eu boicoto a chegada de uma faxineira na minha vida, talvez por que eu esteja querendo - num ato inconsciente extremamente saudável - tomar as rédeas da minha própria 'faxina'. E digo a vocês: limpa mesmo.
Ainda não disse à minha terapeuta que sou eu quem ando faxinando o meu próprio quarto. Vou contar amanhã. Acho que ela vai amar.
(tudo a ver com este post o texto de Rilke, logo abaixo.)

[rainer]


Eu te peço… que tenha paciência com tudo que ainda não está resolvido no seu coração, e tente amar os seus questionamentos, eles mesmos, como se fossem quartos fechados ou livros escritos em uma língua estrangeira. Não procure as respostas que não poderiam lhe ser dadas agora, porque você não seria capaz de vivê-las. E o principal é viver tudo. Viva seus questionamentos agora. Talvez um dia, em algum lugar do futuro, você irá, gradualmente, sem nem notar, viver o seu caminho através desses questionamentos...

(rainer maria rilker)

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

[maior que uma melancia]



"Já se passaram alguns anos
desde aquele dia
em que ele era -
não sei porque não vi -
do tamanho de uma abóbora
ou de uma melancia. "


Se todo dia é dia de ser feliz, hoje então é dia de vestir a própria felicidade e sair por aí, cantarolando músicas que tocavam nos rádios há vinte e tantos anos atrás – e olha que eu sei de cor muitas delas - , quando você ainda era pequeno e nem entendia porque o mundo girava e a gente não caia, ou porque se o Japão é logo aí embaixo, inventaram o avião ao invés de cavarem logo um buraco.

Se todo dia é dia de ser feliz, hoje então é dia de você vestir-se inteirinho da paisagem mais linda que já beijou seus olhos – e olha que eu conheço algumas delas – e admirar-se em cada parte, cada pedaço, chamar amigos para fotografá-la inteira, chamar você mesmo de lá de dentro e mandar vir aqui pra fora, porque hoje, em especial, a paisagem linda fica e a feia vai-se embora.

Se todo dia é dia de ser feliz, hoje então nem se fala: arrume a mala, pegue a roupa mais velhinha mesmo e saia andando por aí, sem destino – como eu sei que gosta de fazer. Na primeira parada, olhe bem pra o alto, solte um beijo para o passarinho e diga a ele que dali a pouco vocês estarão voando, juntinhos.

Se todo dia é dia de ser feliz, hoje então nem se fala: tome o banho mais cheiroso – e olha que sei das folhas de que gosta - , olhe-se dentro do espelho e diga a você mesmo seu maior desejo. Vire-se de costas e repare que abriu-se uma janela, a mais bela das janelas. Pule fora e veja que paisagem linda te espera.

Se todo dia é dia de ser feliz, hoje então nem se fala, porque é hoje, amigo, é hoje que se comemora o dia maior da sua esperança. Que ela brilhe alto, que Deus lhe dê o mínimo que você precisa para ser feliz e que, numa mansão ou num casebre, com ou sem chafariz, você possa ser quem quer, ter quem e o que quiser e ainda por cima ser dono do próprio nariz.

Forcei as rimas, mas as lágrimas de felicidade caíram espontaneamente.

Feliz aniversário, Vinis!
(algumas pessoas estão reclamando da visualização das letras dos textos. Se quando você abrir a página se deparar com um texto em grego, japonês ou algo parecido, atualize a página - eu ainda não aprendi a falar estas línguas! Geralmente a atualização funciona. Se não der certo, faça a gentileza de me informar o ocorrido para que eu possa tocar fogo no escritório do Blogspot. Obrigado.)

[mera gota]


Sem luta
nem desespero
se fez azul
por puro
desvelo

terça-feira, 20 de setembro de 2005

[essas sementes são um buquê]

Há alguns meses plantei no meu jardim algumas flores ainda na semente. Vi, em pequenos grãos que cabiam na palma da minha mão como cabem estrelas em um céu sem fim, a possibilidade das flores, a possibilidade da beleza mais próxima a mim. Isso foi há mais ou menos dois meses.
Hoje, graças a fé que tive na semente e ao cuidado em regá-las todos os dias, não só com água, mas com minha admiração, cuidado e palavras elogiosas, tenho um jardim em flor. A impressão que dá é que elas não pararão de crescer nunca. A cada dia em que me levanto cedo da cama rumo ao trabalho, vejo em meu canteiro uma nova flor que antes era um botão e me orgulho da crença que tive no poder da vida, no poder de acreditar em algo e construir algo juntos – eu e elas, as minhas flores cor-de-rosa.
Primeiro as sementes, com elas a fé, o cuidado. Depois a flores, a beleza, o jardim enfeitado. A natureza mais uma vez me encantando com a simplicidade de suas verdades.
Bastaria um pouco menos de perseverança e hoje eu não teria essa beleza dada de graça para mim todos os dias.

[enrijecendo]

Pois já que é para mudar de ares, que mude logo tudo. Vida nova, academia nova. É ou não é? Para dar um novo alento à malhação, que andava, há um tempinho, meio relegada aos últimos planos possíveis, resolve eu aqui fazer a matrícula em uma academia onde as atrações vão muito além dos ferros, aparelhos, e anilhas.
É preciso mais estímulo, se me entendem.
(fase nova do blog também. veja nota de rodapé no post abaixo)

[me dá senão eu tiro]

Em um momento ou outro de nossas vidas, temos necessariamente que devolver o que recebemos à Fonte. A mesma Fonte que nos abasteceu até agora, que nos abastece sempre, essa mesma Fonte precisa ser constantemente reabastecida. Melhor falando: esta Fonte não precisa de nada. Na realidade, somos nós que precisamos realizar o ato de abastecê-La. Não por ela, mas por nós mesmos. Ela vive sem nós, a Grande Mãe. Nós é que ainda precisamos Dela e, para tanto, é necessário que materializemos o ato da entrega, a doação.
Só quando entregamos de volta à Fonte o que recebemos ininterruptamente Dela é que entendemos o quanto possuímos para dar.

Entendendo a nossa abundância, encontramos a felicidade. É um encontro casual, de velhos amigos, porque ela – a felicidade - sempre esteve ali.

Mas não há caminho de luz – verdadeira e duradoura luz – que não passe pelo ato de doar-se.
(haverá dias em que meu mental estará estalando, gritando por todos os poros e, ao invés de anotar em pedaços de papel esses meus desvarios, escreverei aqui mesmo, afinal blog é para isso. Desta forma, haverá dias em que mais de um post vai pipocar por estas bandas. For your attention, I thank you.)

[já que não posso te levar]

E a vida segue. Apesar de não notarmos, ela segue, impassível, ávida pelo próximo instante. A vida segue, devorando os segundos, os minutos, os pedaços de nós que vamos deixando cair na estrada. Segue, distante de tudo. Segue, porque é de sua natureza seguir. Se pára, não é a mais a vida, é um esqueleto amorfo, é passado sucumbido às traças. E lá vai ela, derrubando árvores, construindo represas de um lado e jogando sementes do outro.

Abram, portanto, as porteiras, deixem-nas escancaradas, eu aconselho, porque a vida segue.

Basta olhar para o alto, naquelas horas em que você tem a leve impressão de que tudo parou, para ter a comprovação última do passar da vida: o sol já não está mais ali.

[abre travessão]

Confesso, andei meio perdido e sem rumo, andei meio preso a estes pensamentos loucos, ou loucos cachorros doidos me mordendo à noite, mas venho e trago boas novas: à tua mesa, a minha liberdade. Sei que almejavas tanto me ver assim, leve, e então achei que seria mais que oportuno dar-te esse prazer imenso de ver meus olhos sorrirem, não por ti - me desculpe se ainda alimentas esse velho hábito - mas por mim mesmo. Sabes o quanto eu esperei por este dia, este dia em que eu entraria por esta porta minha mesmo e diria para o homem sério que mora lá dentro, instrospecto como só ele mesmo sabe ser, misterioso como lhe fizeram os anos de vida, incerto como o vento, mas firme como a árvore que nunca conseguiu, este mesmo vento, arrancar do chão e dizer em alto e bom tom, inclusive para você – agora tão longe, que pena – ouvir:

- Chegou a hora e a vez do descobrimento. Que venham as caravelas e os exploradores.

(desculpem-me os que me lêem, pela total e completa falta de compromisso meu com o entendimento alheio, mas às vezes me faço hermético assim para depois reler-me inteiro e descobrir o que escondo de mim mesmo nessas palavras que eu não saberia me dizer ao vivo. Se soubessem quantos destes textos tenho aqui guardados, compreenderiam e perdoariam esse meu breve deslize. Espero não afugentá-los com estas palavras sem nexo, mas ajudar a trazer à tona a coragem de desvendar os seus próprios mistérios, como eu tenho feito, em meio a percalços e grandes surpresas.)

domingo, 18 de setembro de 2005

Aparentemente sem nexo


“A coruja de Minerva só desce quando cai o crepúsculo.”
David Olson


[um]

A sua dor durou menos do que aquele girassol que, há poucos dias, virava-se num ato de fé em direção ao sol.
Hoje, ainda num ato de fé, seca sozinho, como sempre foi, no caule, embaixo deste mesmo sol, preparando sementes que inevitavelmente cairão no solo e gerarão outros girassóis, igualmente amarelos, igualmente cheios de fé.

[dois]

Entregar um texto ao mundo: metaforizar eventos – reinventar o óbvio – refazer-se em palavras – fantasiar o tédio – vestir de roupas leves a rotina – chorar em códigos – mentir verdades – ser óbvio – fingir poesia – ativar perguntas – aguçar curiosidades – trocar papéis – conquistar amores – endeusar-se – expurgar lembranças – vingar-se – recolher-se – encriptar amores – fluir inconsciências e inconsistências – captar-se em desejos – tornar misterioso o óbvio – desenhar palavras – desdenhar palavras – invadir – subornar entendimentos – manipular – iludir – fazer chorar – criar personagens – mentir descaradamente – fingir-se meigo – treinar ser outro – esperar respostas – atirar-se no escuro – arriscar o silêncio – emudecer o outro ou fazê-lo gritar em defesa – vulnerabilizar-se – deixar dúvidas – duvidar – subjetivar – ecoar no outro – permitir outras verdades – reverberar – ser espelho – contruir novos sentidos – navegar – desfazer – reciclar o antigo – desfazer enganos – refazer verdades - sentir que o óbvio dura pouco e se pouco dura é por ser óbvio, que o que dura mesmo é o mistério, e é por ele que escrevo, é por ele que me inspiram os dias e, se estou sem ele, me enterro no escuro para me recriar.

[três]

Acabara de acordar de um sonho que, apesar de sonho, era a sua realidade. Andara de mãos dadas com seus dias mais reais no sonho do qual acabara de acordar. Apesar de acordada, a realidade, por vezes bruta, mas sempre necessária, continuava em frente aos seus olhos, em pé, estivessem eles abertos ou fechados.

O absurdo da vida é quando abrimos os olhos e vimos que os nossos maiores pesadelos ainda continuam nesse mundo de cá, onde os pés ardem ao tocar no chão e os olhos insistem em se proteger com finas pálpebras diante de tanta luz.
Eu, pessoalmente, prefiro sonhar doces realidades a sonhar ilusões que acabam quando o despertador toca e o sol entra, inexorável, no quarto. Desculpem-me os que vivem de sonhos apenas, mas é que eu sei o quão finas são as minhas pálpebras.

[quatro]

É de mim que parte a primeira faísca, o primeiro texto. É assim: essa faísca gera uma idéia, que gera um texto. Esse texto gera outras idéias que, juntas, formam outro texto, que chega aos meus olhos e gera mais outro texto.

Neste gerar contínuo, cobrimos o mundo de tapetes formados por essas idéias nossas. Da fagulha original, que foi um olhar meu um pouco mais sensível, surgiu esse diálogo que eu ainda travo com você aqui nestas linhas que escrevo vendo, ao longe, a fagulha original. Ela já anda longe, perdida, quase um segredo que paira, ávida por um novo dono.

Aqui, filhos teus, restam os fogos de artifícios que explodem soltos na atmosfera reinventando idéias, jogos de palavras e acordando com um beijo o que, antes nem sequer pensamento, dormia ébrio nessa relva que abrigamos no escuro de cada um de nós.

(façam a gentileza de chamar o bombeiro)

[cinco]

Foi com pesar que colhi as margaridas. Meu pai deu a ordem e minha mãe justificou:

- Duram apenas oito dias, se a levamos para casa, pelo menos nesse tempo enfeitarão os santos.

E eu fui ao jardim, com uma justificativa que considerei plausível, e cortei no talo as margaridas, as brancas margaridas, separando-as das outras flores que cresciam igualmente belas no canteiro. Elas não sorriram, nem choraram. Não disseram nada as belas margaridas, agora ex-habitantes do canteiro em flor.

As margaridas pagam, como nós, o preço de serem tão efêmeras, decobri.

sábado, 17 de setembro de 2005

O combustível do não-dito

Vivemos do mistério do outro. É o que o outro não diz que abastece em nós a chama, é o que fica entre as linhas que produz o texto que escrevemos para nós mesmos, o texto que define o calor da paixão, o grau de ansiedade pelo próximo capítulo, a vontade, enfim, de continuar, porque o mistério é o combustível da luta insana que se trava nos jogos da sedução.

São os olhos fechados que há em nós, impostos ou naturalmente vendados, que definem a nossa paixão. A alteridade é o jogo dos mistérios, valemos o punhado de coisas que mantemos na mão fechada, valemos exatamente a proporção de nós que não é revelada, que vive nas profundidades de nós mesmos.

Precisamos travar a batalha com o desconhecido e por fim não encontrarmos nada. Nunca podemos encontrar nada, por pena de desvendarmos o mistério, destruirmos a dúvida, desmotivarmo-nos do jogo, porque o jogo é um jogo que lá no fundo não queremos ver na mesa, é um jogo que é melhor se não for discutido, é o jogo que deve sempre estar ali, virtualmente posto, mas invisível, não-questionável, secreto.

Não me conte seus segredos, nem suas dúvidas a respeito de mim. Deixe-me assim, no escuro que me permite andar cego, e viva nesse meu escuro por onde andas tateando. Não me peça óculos ou explicações, não me peça lanternas nem novas visões. Peça-me o escuro, peça-me apenas o título de meus segredos, para aguçar em ti a vontade de desvendá-los a cada dia, a cada hora, a cada momento secreto que criamos nesse nosso lugar reservado somente para nós mesmos, esse lugar onde formam-se crianças e germinam árvores inteiras.

Se me queres, mantenha-me em segredo aí mesmo dentro de ti.

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Dois meninos

É setembro e os cheiros de camarão seco, quiabo e dendê se espalham no ar da cidade, se espalham aqui mesmo, dentro da minha casa, misturado ao riso de alegria dos gêmeos santos. Minha mãe esta em pé em uma cadeira, porque o caldeirão de caruru é grande demais para ser mexido do próprio chão. Antes disso, ela fez um mutirão de pessoas com facas em punho para cortar as centenas de quiabos. Ela desce de quando em vez da cadeira para engrossar com farinha do reino o vatapá. A galinha ainda não está pronta: banha-se toda em um caldo de temperos, mas estará, inevitavelmente, à noite. Aqui em casa não colocam dedo de anjo no caruru, não tem pipoca nem banana da terra frita pra acompanhar. Não tem rapadura, quem quiser que traga de casa. Não tem farofa de dendê, mas tem arroz branco, soltinho como só se vê nas festas – é que em dias comuns às vezes ele gruda.

Olho agora e vejo quatro ou cinco caldeirões de meio metro de altura cada, parece até que vem um batalhão de gente pra cá, parece que minha mãe é uma bruxa, naquela sala fumegante, repetindo passo a passo a receita dos nossos ancestrais, reverenciando – até mesmo sem saber ao certo – uma tradição de séculos e séculos.

Aí eles chegam, os chamados, se entopem de dendê, colocam mais que agüentam comer no prato – em épocas de abundância os olhos crescem – e depois vão embora, buchos os mais cheios possível, para garantir que depois, quando tudo que está ali dentro inevitavelmente se esvair e os roncos do estômago começarem a incomodar, possam ter a certeza de que comeram o máximo que puderam ontem, quando a abundância despertou a gula, que por sua vez fez encher demais a barriga, mas que não durou muitas horas, como tudo que só acontece em uma noite só, em um mês designado pelas tradições, em um ritual que não se sabe de onde vem.

(Tradição que é tradição enche a barriga até a borda e deixa saudade no outro dia, deixa a vontade no ar, vontade de que seja logo setembro, vontade de que a bruxa suba logo no caldeirão e faça fumegar de novo os ingredientes todos postos juntos na grande panela, enchendo o ar com esse cheiro de antigos setembros.)

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

Temores

Temeria o mundo sim, caso não fosse ele tão macio ao toque dos pés e das mãos. Temeria o mundo não existissem o tempo e sua cura, não fossem aqueles dois dedos quase me hipnotizando e me fazendo ditar palavras loucas e desconexas na superfície.

Temeria o mundo caso não houvesse os livros e seus lindos inícios e trágicos e necessários finais, temeria o mundo, sim, caso não houvesse a fonte e sua água, o riso e seu barulho – por vezes, confesso, abafado – o céu e a vastidão que torna pássaro cinza invisível, o olhar e seus infinitos mistérios.

Temeria o mundo sim, não fosse pela fé que dizem que move montanhas, mas não acredito, pois basta que me mova e já não terá mais montanha à minha frente, temeria tudo, tudo mais ainda que o mundo, não tivesse você gritado em meus ouvidos aquele grito de infinitos decibéis que eu ainda insistia em abafar em sonhos que eu mesmo controlava com meu joystick.
Eu temeria o mundo não fossem essas horas soltas, meio de tarde, meio de noite, meio de dias inteiros, em que vago perdido pelos relógios das ruas, vendo pessoas tremerem como o mundo treme em terremotos, vendo pessoas temerosas que pisam em flores, recusam verdades, entorpecem-se de falsas ilusões e ainda acham que o mundo é passível de ser temido.
Não, eu vejo essas pessoas ao longe e noto que nossas horas passam iguais nos relógios, mas o que vejo no meu pulso, no tic-tac que não se esvai nunca, é um tempo que eu mesmo criei. O tempo que passa, mas não destrói pelo medo, o tempo que passa, mas não arrasta os que caem, o tempo que mostra que o mundo não passa de um cãozinho amistoso, treinado e obediente que entrega o osso apenas se lançarmos um olhar de fome ou elaborarmos em silêncio um breve pedido de perdão a nós mesmos.

(Livre, liberto desses medos que nos fazem querer ficar embaixo do cobertor enquanto o relógio já tocou mais de mil vezes, estendo a mão e respiro a coragem que emana das horas em que o sol ainda é brando e sopra uma brisa que faz tremer o corpo ainda frio e deitado na cama.

É às seis da manhã que atinjo os meus maiores picos de destemor. )
hoje tem poesia, logo abaixo!

Entre


Vivo entre o livre e o hermético,
entre o que dilata e o que delata,
entre o que seduz e o que reduz,
entre o que vive e o que só sobrevive.

Vivo entre palavras e acentos agudos,
entre luzes e reflexos de uma grande árvore centenária.

Vivo entre o meio e o fim da seta
– vivo na margem primeira que toca a sua reta -,
entre o rato e seu esgoto,
entre o que esgoto e o que absorvo.

Vivo preso entre o que me dás e o que me tomas,
Entre o que em mim acolhe e o que em mim te detona,
entre a bomba e a pólvora,
entre a caixa e o fósforo.

Sou fiasco e chama,
ardores e bálsamos,
credores e devedores.

Sou quem dá e depois toma,
sou quem liberta e depois põe em arredoma,
quem dilata e depois deleta,
quem seduz e depois reduz,
deduz,
induz.

Sou eu quem repete a frase
E depois esquece
Quem volta ao início e
Nem vê que merece

Eu sou eu mesmo que vive entre esses dois lados
que não são opostos,
porque não deixo,
que não são ferozes
porque não é assim que desejo,
que não são mais nobres,
porque neles me vejo.

Te prendo aqui,
entre estes dois critérios que crio,
isento

(E daqui
só sairás quando eu mesmo liberar o vento.)

quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Primeira vez

Vastidão. Era isso o que via na minha frente. Não sabia ao certo o tom, o alcance da minha voz. Enquanto eram dois, três alunos, tudo bem. A coisa começou a ficar preta quando vieram outros, e mais outros, e em menos de meia hora eu já tinha quarenta pessoas à minha frente. Eu, no centro. Todas elas, ao redor, esperando que viesse algo de mim.

Quando ontem, às 18h25min, eu fechei atrás de mim a porta da sala dos professores na UNIFACS e abri, dois andares abaixo, a porta da sala dois e inalei as primeiras moléculas de oxigênio que emanavam dali, dei o primeiro passo para a vida nova que sonho há um tempo e que graças a essas forças divinas, graças à fé que sempre tive em mim mesmo e no mundo, se realizou muito antes do eu que imaginava.

No momento exato em que eu saí da sala dos professores, senti o primeiro frio na barriga. Eu, que estava me achando anestesiado por não sei lá o quê, eu, que ainda não tinha de fato caído na real, agora tremia por dentro e por fora. É que quando os anos passam e a experiência toma conta, as tremedeiras externas desaparecem um pouco com a técnica, mas as de dentro continuam, como um sinal de que você está ali, que você planejou, que você está inteiro. Só não tremem por dentro os que não estão nem aí com nada. Espero sempre tremer. Pelo menos nos dez primeiros minutos.

Tremi por exatos dez minutos, mas quase entrei num leve pânico quando vi o público inteiro à minha frente – minhas experiências anteriores sempre tinham sido em salas pequenas com, no máximo, 15 alunos. É claro que não dei nenhum vexame, correu tudo às mil maravilhas. “Está tudo aqui”, pensei comigo e me senti aliviado. O início do pânico e a leve vontade de desaparecer durou dois ou três segundos. O professor baixou e aí mandei ver.

Não precisei fazer muito para ter uma excelente resposta dos alunos. Infelizmente, a maioria dos professores universitários – com raríssimas e honrosas exceções – estão preocupados apenas em ensinar e esquecem que os alunos estão ali para aprender. A minha história como educador sempre foi voltada para quem está à minha frente e não para o que estava diante de mim – no caso um plano de aula. Sempre vieram antes os alunos, e isso fica claro no olhar que cada um recebeu durante o tempo que passamos juntos, o apoio individual, o saber o nome, o corpo-a-corpo acontecendo no andar inferior que as escolas insistem em instituir colocando o professor no tablado.

Eu mesmo me recusei a ficar lá. Aliás, eu não sei ficar lá, não faz parte de mim, não é o meu estilo, a minha praia. Me misturo mesmo, sento ao lado, rio junto. Com isso não estou ignorando as dificuldades da profissão, principalmente na área de ensino de inglês, missão dificílima de ser realizada diante de 40 alunos, mas existe a fé, sempre ela, e é por isso que eu acredito que dá pra fazer algo diferente e valioso. Do contrário, eu teria desistido ali mesmo, antes de entrar na sala dois e inalar a primeira molécula de O2 dessa minha nova etapa de vida.

(é nos momentos de maior perigo e ameaça que nos conectamos com a força que vem de dentro, e é aí que a concentração atinge picos máximos e a paisagem lá de fora deixa de existir, e só há diante de você o foco. Focados, inteiros e mais próximos do que nunca do Agora, travamos uma batalha entre iguais, a batalha do bem , a que faz nascer o novo: muitas vezes apenas um insight, um toque, uma lembrança, muitas também um mundo inteiro descortinado à sua frente.
A vida sempre exige o máximo de nós, pois sabe que temos essa inteireza inata. Nós que, esquecidos, paradoxalmente insistimos em reativar sem cessar lembranças fúteis, passados doentios, recordações empoeiradas, que travam o processo inteiro, nos fazendo retornar, dar passos rumo ao que passou. Mas o que passou nada cria, nada faz. É que estamos dentro do trem, ele está em movimento e não adianta sequer andarmos até o último vagão, porque o que passou não está mais lá.)

MM de novo

Não tem como não publicar esse. Martha Medeiros, de novo.
A grama do vizinho
Martha Medeiros - O Globo
Há um certo há de queixume sem razões muito claras. Converso com pessoas que estão na meia-idade, todas com profissão, família e saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem. De onde vem isso?
Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia: “Eu espero/acontecimentos/só que quando anoitece/é festa no outro apartamento”. Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha sido convidada. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são — ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho.
As “festas em outros apartamentos” são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim.
Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos para se refugiar no escuro raramente são divulgados. Pra consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada/todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta.
Nesta era de exaltação de celebridades — reais e inventadas — fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia. Ou será tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé?
Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista. As melhores festas costumam acontecer dentro do nosso próprio apartamento.

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Duas letrinhas

- E você que fala tanto em Espiritualidade. O que é a Espiritualidade para você?
- A Espiritualidade é Deus.
- Sim, e você tem acessado esse Deus?
- Confesso a minha dificuldade nos últimos dias.
- Pois então, o que falta para superar essa dificuldade?
- Entrar em contato com a minha Presença Divina?
- Sim, mas o que é preciso antes disso?
- Antes? ... Não sei... Meditar, o silêncio?
- Não. Isso ainda vem antes do silêncio, aliás, isso vem antes de tudo. Para ser mais exata, é no silêncio que isso vive.
- Você está me deixando confuso. Não sei, confesso que não sei.
- Você sabe, está tudo aí, é só acessar. Tem duas letras.
- Duas letras? Meu Deus, deve ser muito simples, apenas duas letras...
- O mais impressionante é que é muito simples sim. Você sabe o que é?
- O “eu”...
- Não. – o olhar dela já dizia a palavra e ele já sentia a sua vibração pelas faíscas que os olhos dela emanavam.
- Estou confuso, não sei. – não saber, ali, era angustiante, diante a simplicidade. Eram apenas duas letras, simplesmente duas letras, mas a palavra cruzada não queria se completar. Ali não havia dicas. Essa palavra simples se sabe ou não se sabe, acabou.
De repente os lábios superiores dela começaram a se erguer levemente e um som fricativo começava a se formar no ar. Tudo aconteceu em câmera lenta aos olhos dele. Vinha um fonema e depois outro e depois a ficha cairia, e tudo se encaixaria, o fio de Ariadne finalmente puxado, trazendo à tona o que ele dolorosamente arrastava sozinho, e a palavra fé explodiu no ar.
Não foi preciso mais palavra alguma, gesto algum. Silenciou-se diante dos dois fonemas, ainda escritos nas paredes e nos ares que respirava, ainda latejando ali dentro, fogos de artifício, ano novo, dia novo, horas novas por vir.

(Não fosse pela fé, não haveria as flores no meu jardim, não haveria os botões ainda por nascer, não haveria esses meus dois pés fincados no mundo, não haveria eu, de cócoras, embaixo da cama, procurando a poeira escondida para espaná-la, afastá-la, substituí-la por novos ares, novas idéias, novas esperanças. Não fosse pela fé, não estaria hoje com quase 30 centímetros a planta de onde já surgem flores apressadas e outras, mais pacientes, escondem-se, tímidas em botão. Vendo de fora, até parece lhes faltar a fé, mas depois de uma breve meditação sabe-se que a fé não lhes falta, é que ainda não chegou a hora exata do prazer de vê-las sorrir.)


domingo, 11 de setembro de 2005

Amigos na chuva


É porque há os amigos, e há sempre os amigos, que a vida não pára nunca.

(Domingo cinzento, mas cheio de cor porque meus queridos Doc e Henrique estão aqui, na Bahia, e mesmo embaixo de chuva mantém no alto a energia que me contagia, fazendo correr em mim uma paz imensa.)

sábado, 10 de setembro de 2005

Leveza de sábado


Quem dera pudessem todos os dias ser iguais a um sábado como esse, de luz tão fina, de chuva que ameaça mas não vem e, se vem, não fica, quem dera a luz fosse sempre a luz deste entardecer, luz macia, que refresca a alma e a aquece sem doer. Sem filtro e sem bonés, banho-me nessa luz. Quem dera todo dia fosse dessa paz ao lado de quem se gosta, com conversas imensas, que escorregam sutilmente de um tema a outro, essa tarde inteira em uma ilha grega estacionada na Cidade baixa da cidade da Bahia. Quem dera todos os sorvetes tivessem o mesmo gosto de fruta sem visgo, madura e gelada na boca, quem dera todos os ares tivessem o frescor da maresia que brota das células do mar, quem dera fosse, sempre fosse, desse jeito assim, uma tarde de sábado que passa leve, fica aqui de forma leve e volta, depois de sete dias, com a mesma leveza, leveza da liberdade que precede a angústia dominical, que precede já um outro dia cuja luz é sempre a mesma, mas cujos cheiros não brotam e ficam leves dentro de nós como o cheiro dos sábados.

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Brisas

Essa brisa suave que passa e que não cessa, principalmente quando estou perto do mar aberto, longe da Baía, sou eu mesmo, esse eu mesmo que eu não sei por onde anda, que anda meio perdido – ou encontrado demais – por aí. Essa brisa sou eu porque ela é incessante, ela não pára, não se abastece de nada e além de tudo é onipresente. Às vezes mais fraca, às vezes com o poder destruidor de um furacão, às vezes mansa e aliviando calores e odores, mas sempre ela, sempre ela soprando sem pedir nada, sem querer nada, sem necessidade nenhuma. Passa, transparente, muitas vezes atravessando o nada: se estás ali, ela te refresca, se tu mesmo não estás, ou se está ninguém, ela também passa. Alheia a tudo a brisa. Vai e vem, e nesse vai e vem de séculos, perdura uma eternidade. Sempre a mesma.
Essa mesma brisa que te sopra nos cabelos agora é a brisa que pulsionou as caravelas dos benditos portugueses. Essa mesma brisa que sopra hoje é a brisa de que tua mãe te protegia quando teimavas em andar no sereno. Essa mesma brisa que sopra hoje é a brisa que tocava teu dedo de ponta molhada quando arriscavas uma aventura mundo afora. É ela a brisa. Velha amiga de anos, prometendo soprar muito ainda. É essa brisa que sou, é essa brisa que tu és, mesmo que não saibas, mas és essa brisa.
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Notícia boa se comemora: na próxima terça, às 18:30, estréio como professor da UNIFACS. Curso de Gestão Ambiental, na pasta de Inglês. É bão ou não é bão, Sebastião?

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

Sobre as baleias perdidas

No último dia 4, uma baleia jubarte encalhou na Praia do Jardim dos Namorados, Salvador-BA. Ao que tudo indica, ela já chegou morta ao local de onde só seria retirada mais de 72 horas depois, em estado de putrefação, cortada em três enormes pedaços que foram atirados ao relento no lixão da cidade.

A baleia perdeu as referências e morreu encalhada na praia. Chamou a atenção de curiosos que faziam filas imensas para vê-la ali, encalhada, morta, perdida, exposta ao ar seco que lhe racharia a pele em horas e faria com que o cheiro se espalhasse, onipresente, pelos bairros antes refrescados pela suave brisa do mar.

A baleia, em algum momento de seu percurso, se perdeu, se desviou, se desencontrou de si mesma. Perdeu a rota, a corrente que possivelmente a levaria para uma ilha aonde vão todas as baleias, todos os anos, se reproduzir. Mas no caminho, ao invés disso, pegou a onda errada, o atalho que a levaria à morte. Sim, a baleia morreu, e ao ver tanta carne amontoada na areia, inerte, peso resistente a tratores, rebocadores e helicópteros, pesada a ponto de não poder ser retirada senão em três pedaços, não tem como não lembrar que se o monstro negro veio parar no seco da areia é porque ela perdeu as referências, o guia, a bússola.

Perdeu-se das outras baleias, caiu no fundo do mar a agulha magnética que a levaria para o seu norte, o paraíso onde filhotes imensos sairiam já gritando das suas vaginas de baleias, igualmente imensas. Não vieram as crias. A vida trocou o espetáculo dos filhotes pelo espetáculo da baleia morta na areia, depois esquartejada, arrancada e jogada ao relento para alimentar os vermes.

Mas não sejamos pessimistas. Certamente não é a nossa intenção aqui constatar que toda a vida da baleia não deu mais que um texto triste sobre a sua morte, mas relembrar a todos que, como as baleias, às vezes podemos perder as referências – e entendam referência aqui como quiserem, eu bem sei quais são e sempre serão as minhas – e passar do limite mínimo de profundidade no qual podemos sobreviver, ou simplesmente avançar pra lá dos arrecifes, nos encarcerando entre a areia e as pedras, entre o céu e a areia, morrendo por fim.

É que deveríamos ser daquelas baleias cuja bússola está sempre apontada para a melhor corrente, das que se mantém afastadas seguramente dos arrecifes e entende que aqui no raso, onde estamos nós, falta ar, falta o mergulho por entre cardumes, falta o esguicho mais rico que petróleo que sai das costas dando um banho no próprio mar. Que aqui na aridez do raso não tem muito o que ver quando olhamos para baixo. A areia está logo ali, igual, sem vida, e que o máximo que se pode fazer aqui no raso, onde a água sequer cobre os joelhos e morre-se à míngua de tanto ar que falta, é cavar um buraco para ver chegar mais água e, quem sabe, encontrar a vida subterrânea. A mesma vida que se encontra escavando as profundidades abissais onde nem as baleias resistem, ou escavando, como criança, a beira do mar, usando os grãos molhados para construir frágeis castelos de areia.

(post que dedico às minhas bússolas, às correntes que me levam por aí, às vezes aparentemente sem rumo, mas sempre com a agulha magnética fortemente apontada para o meu norte. Que me perdoem as minhas correntes pela ignorância que às vezes me faz parar no raso e achar que dali não se sai nunca, mas morre-se, como morrem as pesadas baleias. Agradeço porque elas, as minhas correntes, sempre me fizeram descobrir uma leveza que me pôs de volta à profundidade das marés e me devolveram o rumo que me levaria ao encontro de mim mesmo nas antigas ilhas onde filhotes imensos nascem gritando das enormes vaginas das baleias, fechando e abrindo os ciclos constantes da vida.)

terça-feira, 6 de setembro de 2005

Dois pássaros na mão

Não quero ser uma pedra, mas poeira que se solta das mãos de quem decide espalhar-se pelo mundo. Não quero ser um balde de água que jorra tudo em instantes, mas chuva que cobre e inunda cidades inteiras por horas a fio. Não quero agir localmente, ser direto e preciso. Quero ser impreciso, global, abrangente. Não quero ser a agulha que fura e dói em um ponto específico, mas tiro de espingarda de sal grosso, que perfura um corpo inteiro. Quero ser céu estrelado que não se vê o fim, ipê florido que deixa o chão um tapete de cor, prédio de mil andares que se perde no alto. Quero ser esse mar que de cima acredita-se raso, mas que nem mil homens poderiam alcançar o fundo. Quero os leques abertos, não quero apenas uma carta, mas várias dispostas sobre a mesa, quero o oito deitado, o infinito rasgado por dez unhas imensas. Quero que venham problemas, enchentes, secas. Quero, com mil mãos, secar e abastecer continentes inteiros. Não quero um olho só, mas vários, um chão só não me basta, quero quilômetros inteiros para pisar. Quero estradas de asfalto, de barro, estradas intergaláticas e outros universos. Quero poder fechar um olho e ver que minha mão cobre o sol e a lua, inteiros. Quero os dois astros na minha palma, uma estrela em cada dedo, e os outros planetas inteiros na minha ascendência.

Sendo tanto, tendo tanto e vendo tudo, me abasteço por séculos a fio. Assim, se me deixas assim, como estou agora, cubro-me com um véu e renasço, distante, poderoso, refeito, em outras planícies, em outras paisagens, porque não cri em um sol apenas, não chorei por uma só lua, mas sempre fui abundante como as estrelas, que cobrem um tapete negro de luz cujo fim não se vê, nem se crê, mas percebe-se a presença infinita.

(O mundo é bão, Sebastião. Quando eu aumento o som assim, abro as janelas e de repente noto que minhas flores voltaram ao jardim, é porque a vida de repente conseguiu me acessar. As minhas instabilidades me servem às vezes para descobrir intensidades)

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Colo, ouvidos e ombros

Ai que saudades da época em que eu berrava e minha mãe vinha me acudir, resolvendo para mim situações que, quando criança, eu achava impossíveis de serem resolvidas. Bastava um grito dela, um argumento, uma palavra, e eu tinha de volta o pirulito que eu julgava perdido.

Hoje em dia, tudo que ela pode fazer - e faz - é me emprestar os ombros, o colo e os ouvidos e me ouvir choramingar.

Eu, resignado, agradeço a Deus pelo colo, pelos ouvidos e pelos ombros da minha mãe, muito melhor do que qualquer pirulito desse mundo.

(adicionei mais um post logo abaixo!)


Orientações

Fazia um tempo que eu não a via. Ela andava sumida, eu também, meio que sumidos sob um acordo mútuo, calado, discreto e, principalmente, favorável aos dois. Eu não aparecia e ela não me cobrava nada, ela não aparecia e eu não cobrava nada dela. Passaram-se dois meses e nos reencontramos novamente. Matamos as saudades, entupi as mãos dela com textos imensos, resultado desse tempo que a gente andou afastado – “muito aconteceu”, eu disse a ela. Ainda tinha lembranças minhas num papel, lembranças estas elogiadas docemente – sim, ela é doce, humana e afável comigo e com todos – por ela, que disse que sou conciso, apesar dessa concisão às vezes agir contra mim: para ser conciso, deixo de me aprofundar em alguns momentos. Sou assim mesmo, pensei.

E quem disse que a vida acadêmica – a tão dita ‘fria academia’, desprovida de calor, de humanidade - não mostra os nossos sentimentos? Pensei em falar isso com a minha terapeuta, mas decidi que seria demais para a cabeça dela.

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A hora se passou, olhava nos olhos dela com atenção. Ela me salvara de pensamentos que queria evitar, olhou para a pilha de livros em cima da mesa - “esse é bom, esse é ultrapassado, não vale mais” –, e me orientou, de fato. Saí de lá desorientado, é bem verdade, mas confuso até colocar de novo os olhos nos livros, e relembrar o que ouvi. Daqui a um mês encontro com ela de novo.

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A sensação de ter alguém te encaminhando em um processo é ótimo. É uma sensação de liberdade misturada com a sensação de estar sendo guiado. É como ser um cego que pode ver, se me entendem.

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Na saída me pediu para carregar uns livros que ela tinha na mão. Disse que estava aprendendo a pedir ajuda. E eu, de sorriso no canto da boca, pensei com meus botões que ela nem imaginava quem estava sendo mais ajudado ali.

sábado, 3 de setembro de 2005

Sobre as pérolas

Não venha me dizer que passou a sua vida inteira sem ser ferido, decepcionado, sem ter perdido algo que lhe valia muito. Não venha me dizer que a vida sempre lhe deu o que quis, que nunca ouviu um não, que nunca foi injustiçado pelo menos com um olhar sutil, não venha me dizer que nunca teve traumas, dores, esperas sem fim, bolso vazio, fome que não passa e vontade de entrar sozinho por dentro de você.
A menos que essa seja a sua primeira encarnação e você ainda esteja na barriga quente de sua mãe, você já passou por pelo menos uma dessas coisas que listei acima. E eu não estou sendo pessimista aqui, mas amoroso.
E, se você admite que já passou por tudo isso e lança, agora, para a tela do computador onde brilham estas palavras, um sorriso tão iluminado, é porque você produziu já muitas pérolas.
Veja este texto lindo que tirei do blog da minha nova amiga Angélica, nome de flor e por isso dona de um jardim lindo na net:
"Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas. Pérolas são produtos da dor,resultados da entrada de uma substância estranha ou indesejável no interior das ostras, como um parasita ou um grão de areia. Na parte interna da concha é encontrada uma substância chamada nácar. Quando o grão de areia penetra as células do nácar, estas começam a trabalhar e a cobrir o grão com camadas para proteger o corpo indefeso da ostra. Como resultado, uma linda pérola vai se formando ali no seu interior. Uma ostra que nunca foi ferida nunca vai produzir pérolas,pois a pérola é uma ferida cicatrizada."

sexta-feira, 2 de setembro de 2005

Lanternas


Quando você se propõe a jorrar luz sobre o medo e a inconsciência, abrem-se campos de libertação no seu mundo. Os medos não resistem à luz. O sofrimento não resiste à luz. O que anda guardado, mofado, esquecido ou ignorado não resiste à luz. A luz é a própria vida que quer se fazer circular, quer se tornar ágil e presente no que vemos, sentimos, fazemos e pensamos. Não há vida sem luz, não há como ver um futuro sem uma lanterna que ilumine um mapa ou um caminho. Caminhos iluminados, rumos a seguir.

Adquiri uma lanterna recentemente.