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quarta-feira, 31 de maio de 2006

[pipoca]

Tem uma coisa no cinema espanhol, principalmente em Almodóvar - de quem sou fã incondicional - que me fascina. Não sei se é a latinidade, o escracho, o sotaque, o humor negro e rasgado - mas inteligente -, as atrizes, os roteiros... sei que adoro. Cinema para mim tem de ter paixão envolvida. Apesar de conhecer muito pouco da parte técnica da coisa e ser incapaz de fazer críticas precisas e bem elaboradas, leio bastante sobre os filmes e sei quando um é bom. Mesmo que seja ruim. Explico: porque filme bom pra mim eu reconheço pelo cardíaco. Se o cardíaco dá o sinal verde, se o olho enche de lágrima ou fica vidrado durante as duas horas de filme, eu sei que é bom. Mesmo que os técnicos e críticos de plantão - como a adorada Boscov da Veja - diga que não, meu cardíaco fala mais alto.

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Filme é bom, mas série de TV – bem feita, não uma Diarista qualquer – é melhor ainda. Ando, confesso, com um pouco de preguiça para ver filmes. As séries, por serem mais longas e poderem traçar um perfil mais bem feito do personagem, aproximando-o mais da nossa vida diária, acabam sendo mais prazerosas.

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Agora que o mestrado acabou e minha carteirinha de estudante expirou, estou, vamos dizer assim, ‘com menos vontade ainda’ de ir ao cinema. Falta o desconto de 50%. Vamos considerar aqui que 16 reais por uma sessão é demais. Com dez, eu pego a temporada de uma série inteira, passo meu final de semana todinho com diversão de primeira e ainda guardo os seis reais restantes para pegar dois lançamentos na locadora da esquina.

terça-feira, 30 de maio de 2006

[dessas fases]

Não sei se você é assim também, mas eu sou de fases. Tem fase cinema: não perco um filme que está em cartaz. Tem fase série de TV: vontade de assistir tudo ao mesmo tempo e uma disposição incrível em assistir 24 episódios em um final de semana. Fase blog: essa vocês conhecem bem, com vários posts por dia, inspiração e vontade de escrever a mil. Fase leitura: livros e mais livros devorados. Fase praia: um pecado passar uma tarde livre de sol sem ir à praia. Fase amigos: liga todo dia, toda hora, juntos as 48 horas do final de semana. Fase nada: a que eu estou.

Essa fase nada é, de longe, a mais equilibrada, talvez. Nenhuma atividade de lazer, no momento, me anda consumindo mais tempo – relativamente falando – que as outras. É uma época de equilíbrios, sinto. Não demora muito, ah isso eu sei. Geminiano que sou, em breve surge uma atividade-paixão que me consumirá horas e horas e que depois será deixada levemente de lado. Não no lugar de outra, porque minhas paixões sempre ficam em suspenso em algum canto da minha agenda: sempre amadas, mas apenas um pouco ignoradas. Nessas horas de fase nenhuma me sinto mais livre. Não há urgência nenhuma, não há nada que me consome. Sim, porque prazeres me consomem como obrigações. É como se a dose de hormônio que se destila na realização daquela atividade fosse causar uma séria crise de abstinência, gerando a urgência de voltar a ela, até que não haja mais nada de novo, até que surja um outro vício temporário. Ao mesmo tempo, a liberdade de poder abandoná-las e voltar a elas depois, como que num descompromisso pacífico, enriquecedor, me dá uma dose gostosa de paz e conforto. É como se houvesse partes de um bolo delicioso que poderão ser apreciadas aos poucos. E o bom mesmo é que nessa fase de auto-libertação, a gente come do bolo na hora certa, a hora que a gente quer e escolhe.

segunda-feira, 29 de maio de 2006

[insone]

Acabei de fazer uma longa viagem de ônibus. Ao meu lado, um senhor que se debatia a noite inteira. Ele não sabia ao certo se mantinha a poltrona em noventa, em cem, ou em cento e dez graus. Ele tinha apenas uma certeza inabalável: o fato de que a pessoa ao lado dele, que daria aula no próximo dia (hoje, no caso), o dia inteiro, teria logo adiante pelo menos doze horas de zumbi. Resignava-me a todo instante, pois não achei que ele estava fazendo aquilo tudo de propósito. Afinal, ninguém se debate a madrugada toda dentro de um ônibus escuro e em movimento somente para ir de encontro ao mísero ser humano que tenta dormir ao lado. Não senti raiva do senhor, não senti raiva de nada, nem de ninguém. A raiva afastaria o restinho de sono e de concentração para dormir, apesar dos fatos. Aí, me acomodei, me afastei do velho o máximo que pude e agora troco letras nesse teclado. Insone, olhos com bordas cinzas. Mas feliz, tão feliz e sereno, que vocês nem imaginam.

quinta-feira, 25 de maio de 2006

[sobre as belezas genéricas e a vaidade de ser específico]

Hoje um amigo me disse que eu divido com meus colegas de trabalho no UEC as atividades que preparo por pura vaidade. Disse que elas são muito boas. Segundo ele, tenho talento pra coisa. “Mas só não precisava se exibir tanto”, arrematou. A ele, imediatamente respondi: “e você utiliza todas que eu faço por preguiça de fazer as suas próprias”. Fui rápido e certeiro – nisso, às vezes, sou bom também -, mas o que ele disse me calou fundo. Sei que as atividades são boas, faço com muito amor, posso me dedicar a elas durante horas pelo puro prazer de usá-las com meus alunos. Nisso, não há vaidade. Há um bem-estar, amor pelo que faço, criatividade, insight e coragem de pôr no papel uma idéia e arriscar-se junto com ela, coisa que muita gente não tem. No entanto, a vaidade houve, sim, na hora de compartilhar com os outros. Estaria mentindo se dissesse a mim mesmo que só houve altruísmo da minha parte no momento em que expus a minha criação no mural dos professores. A minha vaidade clamava por mais: reconhecimento. Ao mesmo tempo, vieram alguns questionamentos: será que, lá no fundo, não agimos todos guiados, em parte, pela vaidade? Será que não estamos, constantemente, em busca de um reconhecimento, nem que seja nos atos mínimos? Que graça teria a vida se não pudéssemos expor ao mundo o que criamos, o que fazemos? Quantas vezes um amigo não já se aborreceu com você por que aquele novo corte no cabelo nem foi notado? Será que sucesso, para ser sucesso de fato, precisa de reconhecimento público, como disse Adriana Falcão no seu livrinho de definições? E será que, nesse caso, a vaidade é tão ruim assim que precisa ser evitada? Foi por ela que esse colega de trabalho e outros tiveram acesso a um material que eu considero bom, foi por causa dela que algo novo surgiu, é por causa dela que eu busco dar a melhor aula que eu posso. A vaidade, em parte, me motivou sim. E arrisco mais: a vaidade humana é a força motriz da beleza. Negue que uma flor não se abre toda para ser vista e admirada. Negue que a borboleta que meu sobrinho flagrou saindo do casulo ainda molhada essa manhã não se alegrou inteira ao ver que estava nas lentes da câmera de um garoto de oito anos de idade. Negue que você não comprou aquela camiseta de cento e tantos reais só para ser reconhecido como possuidor de um certo status. Negamos a todo instante, porque quando negamos que somos vaidosos aumentamos o mistério do que de fato somos. Por que beleza sem mistério não é beleza. É exposição gratuita, é feiúra disfarçada de produto genérico.

[sem jeito]

... mas o que fazer, então, se é de ti que vem essa vontade de estar vivo e atuante, em pé e respirando, se é de ti que vêm os desejos que há muito não me tomavam os sentidos todos? O que fazer se é longa a estrada onde estamos os dois partindo, se é para dois o lugar no trono de onde vemos o nosso reino construído? Fazer o quê, se é de ti que partem essas belezas que meus olhos captam, a luz que me permite ver estrelas, fogos de artifício do meu céu, a fertilidade dos meus dias, a liberdade do que faço e digo? Fazer o quê se meu projeto de vida passa pelo teu caminho, pelo teu carinho, cruza a sua casa, constrói estradas que percorrem teu sonho, escadas que vão até as tuas estrelas, palavras que dizem o teu texto, sonhos que são sonhados em teu travesseiro? De onde vem e de onde partem essas estrelas que ofereço ao mundo? Partem de onde tu estás, da tua via Láctea, do teu caminho estelar. É dessa vontade de vida que te tenho e de onde tu me vens.

sexta-feira, 19 de maio de 2006

[enche-(n)-te]

E apesar dessa chuva que cai aqui nos arredores de mim, do cansaço que me pega e me molha por que minhas mãos andam fatigadas demais para segurar o guarda-chuva, deter a chuva, secar-me da chuva, ainda há e sempre haverá um ponto vermelho, vísível apenas pelo raio x dos teus olhos, meus olhos, minha água, minha chuva que não cessa de cair e me radiografar, revelando-te em mim.

sábado, 13 de maio de 2006

[de boa intenção...]

A peça até que não é ruim. Tem uma boa intenção. Às vezes consegue até fazer rir. Tem um elenco mediano, salvo, no geral, por Eduardo Albuquerque. É apenas uma comédia feita nos moldes que já conhecemos - dos quais muitos de nós já estamos cansados - apenas para dar público e dinheiro. E é exatamente o público que comparece em massa para espetáculos como “Todo mundo tem problemas sexuais” que me preocupa. E o último esquete é o que mais me preocupa.

Para quem não assistiu, a peça é composta por seis esquetes, cada um retratando um ‘problema’ sexual. E a homossexualidade, encoberta pelo título de ‘preferências sexuais’, é um deles. O personagem principal é um rapaz que se auto-intitula “sério e formal”, usa uma camisa de gola rolê, e detesta ouvir palavrões. Conhece uma garota ‘liberal’ e, aos poucos, começa a desvendar, com ela, os caminhos do prazer anal. Isso mesmo: garota começa com os dedos e evolui a escovas de cabelos, etc. E assim se constrói a homossexualidade do rapaz, e assim ele começa a se identificar como homossexual e o público passa a enxergá-lo como tal. Vejam que a sexualidade dele não é construída (revelada?) a partir do que ele é, do que ele faz, do que ele sente. A sexualidade dele se constrói a partir do prazer sexual. Uma generalização perigosa, principalmente para um público que ignora, e por isso discrimina, os homossexuais e suas ‘preferências’. Perigoso, porque sabemos que a sexualidade não se constrói a partir da cama. A cama e o sexo não são os pontos de partida. A cama e o sexo são uma conseqüência dessa orientação. Isso acontece com o hetero, com o gay, com o ‘pervertido’. É óbvio que o personagem já possuía suas vontades, mas isso passa desapercebido pelo público que não pensa muito – mesmo porque essa faceta não é explorada. A superficialidade com que trata o tema só gera mais preconceitos, só reforça o antigo estereótipo, não acrescenta nada de novo, apenas reforça o que já está aí.

Não esperava que a peça desenvolvesse o tema com uma profundidade que, eu sei, não é possível num espetáculo como aquele. Esperava, talvez, um pouco mais de responsabilidade ao tratar um tema complexo como é a homossexualidade. Não poderia esperar outra coisa do teatro do século XXI, feito por pessoas que, eu sei, estão à frente do seu tempo, ou pelo menos mais bem conectados com o presente e o futuro do que o grande público. Dessa vez eu esperava mais. A peça pretende esclarecer, fazer refletir, mas, ao final, o que dá vontade é de distribuir folhetinhos na saída explicando a verdade dos fatos.

domingo, 7 de maio de 2006

[tua ausência]

Tudo em pause no meu quarto: o DVD, o som, aquela nossa música. Tudo parou, inclusive eu mesmo, em reverência à tua ausência. A tua ausência me pára, me congela, me silencia. Junto comigo param as imagens que me entretêm, as músicas que me levam daqui, num gesto de alívio, para onde estás tu. Tudo parado, tudo imóvel, como que aguardando teu sopro. Até mesmo a luz, ali parada, como sempre, aos nossos olhos nus, já não ilumina tanto quanto quando estás aqui. A tua luz me acrescenta, me impõe velocidade, me tira da inércia, me põe cor nos lábios, saliva na boca, suor na saída de cada poro. A eletricidade que sai de mim nestes momentos de ócio está comprometida no seu fluxo, na sua força, quando não estás por perto. Mesmo que tudo volte a se movimentar quando eu apertar o play, num gesto a mim permitido apenas pela artificialidade da cena repetida, da voz gravada no CD, mesmo assim, o movimento só é completo se estás aqui.

A tua ausência produz o vazio-preenchido, uma incompletude-completa, uma inércia-movimento, um silêncio-tua voz. Há tu, aqui, disso eu sei. Esse é o paradoxo dos meus dias que, mesmo sem ti, são completos, mesmo vazios de tua presença são preenchidos pela certeza de que estás aí, mesmo parados, sonolentos, estão em movimento constante. Como uma criança que segura um carrinho de brinquedo, dou corda nos meus dias e os ponho em movimento. Mas se estás aqui, não é preciso o gesto manual da corda, porque a tua presença já é o combustível, já é a força, já é a estrada.
Não tardará a chegar o dia em que o combustível virá em fluxos constantes, diários. Neste dia, quando haverá apenas eu, tu, nós, pegaremos o controle remoto e, apontando-o para o lado de fora da nossa janela, daremos o pause para o que vemos acontecendo lá fora: e nessa hora será o mundo enquadrado por nós, manipulado por nossa vontade. Será nós dois fazendo nosso filme.

sexta-feira, 5 de maio de 2006

[por trás das pálpebras]

Minha vida onírica tem sido rica. Precisaria de muitas sessões terapêuticas e conseqüentemente muito dinheiro para dar conta de entendê-los todos. A maioria dos sonhos eu esqueço logo que acordo, ou antes mesmo de acordar. É que uma parte vira sonhos tecnicamente não sonhados, porque sonho que se sonha e não se guarda na memória, de fato, nunca se sonhou. É bem verdade que se sonhou sim, mas o fato é que esse sonho foi parar num limbo qualquer, no país dos sonhos banidos, ou no mundo dos colecionadores de sonhos esquecidos. Não entendo qual o critério de seleção: por que alguns sonhos sequer são lembrados e outros ficam tão vívidos na memória? Por que certos sonhos são esquecidos e de repente vêm à memória durante o dia? E por que, neste último caso, alguns deles vêm à memória e nos causam apenas a dúvida de terem sido sonhos, deixando a pergunta no ar? Freud deve explicar. Eu prefiro não me arriscar pelos mistérios que protegem certos sonhos. Crente que sou do fato de que vemos e sentimos até o ponto que alguma força mais poderosa nos permite ver e sentir, fico calado e respeito a relação entre a minha memória e meus sonhos.

Sonho de verdade fica, embriaga, deixa o gosto na boca mesmo depois que o sujeito acorda, escova os dentes e começa a comer pedaços de realidade. Os pesadelos são assim: pela carga emocional que eles conseguem revolver, eles parecem ficar marcados na pele, na alma. Não é difícil rememorar a sensação dos pesadelos e dos sonhos muito bons, eles ficam acesos por muitas horas em algum canto onde se esconde a nossa memória emocional. Não fica apenas a lembrança do que aconteceu, mas o que o acontecimento evocou na alma, no sentir. Sonhei, por exemplo, que deletei meu Orkut. Sonho ou pesadelo? Não sei, não houve sentimento, apenas o fato relembrado, aqui, enquanto escrevo. Sonhei que aquele ombro era o da minha mãe. Eu encostava nele, que era você, e dormia profundamente. Ficou o cheiro no ar, e ainda lembro do conforto que senti: era um aconchego imenso no coração. Já não teria tanta certeza que esse foi um sonho bom. Sonhei que namorava com a minha terapeuta. Sonho ou pesadelo? Sonhei que o mundo virava de cabeça pra baixo e todo mundo vivia arrepiado. Nonsense total. Nonsense se explica? Tudo indica que sim, porque, muitas vezes, é através da falta de sentido exato que o inconsciente manda mensagens.

Minha mãe tem o dom de interpretar essas mensagens, e basta contar o mais simples dos sonhos para ela para que imediatamente se tenha uma interpretação. Claro que para isso ela precisa conhecer o dono do sonho. Apesar de extremamente susceptível ao erro, ela demonstra uma grande capacidade de lidar e decifrar o simbólico e de intuir. Herdei um pouco deste dom da minha mãe. Não sei, no entanto, se isso é um dom ou uma maldição. Muitas vezes a verdade do que o sonho quer me dizer vem escondida em véus que a protege, que me protegem, e eu insisto em desvendá-los. Sem cautela, sem censuras. Eu me desnudo tanto, que, como num pesadelo, descubro-me às vezes monstro, às vezes santo e, como sou humano e erro muito, muitas vezes crio verdades ao meu respeito, construo crenças e me limito baseado em uma interpretação amadora. Sonho ou pesadelo?

Agora, bom mesmo, é levar um sonho para o divã. Um sonho bom, quando levado para a análise, é um presente que se dá à vida e aos caminhos do seu autoconhecimento. É nessas horas que se descobre a riqueza do inconsciente, suas armadilhas e suas trapaças, seus jogos e suas revelações. Sonhar – e ter um bom terapeuta para decifrar seu sonho junto com você - é desvendar-se.

quinta-feira, 4 de maio de 2006

[o preço da liberdade]


“O futuro tornava-se de novo um mistério.”

(Milan Kundera)

[insustentável]

“Contemplava-se, longamente, e o que a contrariava era encontrar em seu rosto alguns traços da mãe. Olhava-se então com mais obstinação e dirigia sua vontade para se abstrair da fisionomia materna: fazer disso tábua rasa, e só deixar prevalecer aquilo que ela era mesma. Quando conseguia, era um momento embriagador. A alma subia à superfície do corpo, semelhante a uma tripulação que saísse do ventre de um navio, invadindo o tombadilho, agitando os braços, e cantando em direção ao céu.”

“Ela parecia com a mãe, e não apenas fisicamente. Tenho às vezes a impressão de que a sua vida foi um mero prolongamento da vida de sua mãe, da mesma forma que a trajetória de uma bola de bilhar é o prolongamento do gesto executado pelo braço do jogador.

Onde e quando teria nascido esse gesto que mais tarde se tornaria a vida de Tereza?”.
(Milan Kundera)

[r.a.m.]




reconhecer
aceitar
mudar

[portais]

Pôs então, na sua cabeceira, uma foto de quando ainda era menino, na esperança de que, vendo-se ali, no auge da sua inocência de criança que nem sabe que os dias têm um número certo de horas, ou que o tempo passa devagar quando as coisas são chatas, pudesse recuperar o elo perdido entre o que se tornou e o que um dia foi.

Desejou que no dia daquela foto - dentro da moldura tanta ternura – ele tivesse planejado manter aceso, pelo resto de seus dias, aquele sorriso tão sem motivo.


Mas convenceu-se que crianças não fazem planos e que, se fizessem, talvez não sorrissem mais, porque não mais ignorariam a passagem das horas, a aritmética dos dias e a biologia dos segundos que fazem as rugas crescer, cavando sulcos e caminhos inteiros em sua face.

quarta-feira, 3 de maio de 2006

[sede]

O mestrado deixou em mim um pouco de aversão aos livros ou a qualquer coisa que exigisse concentração, paciência e fosse impresso. Normal: depois de dois anos e meio sentindo-se culpado se estivesse fazendo outra coisa que não fosse relacionada ao mestrado, nada mais natural que eu passasse a ter aversão a tudo que trouxesse à memória qualquer ação parecida ao que eu fazia quando era mestrando.

Hoje, mais relaxado, sem o peso de tanta culpa, me vejo novamente voltando aos livros, seja por pura diversão, prazer tactual, seja por um prazer acadêmico mesmo. Comprei na semana passada ‘O povo brasileiro’ de Darcy Ribeiro, que ando lendo aos poucos. O academicismo do livro não me deixa desfrutá-lo, ainda, com muita fluência. Devorei ‘Harry Potter e o Príncipe Mestiço’, em língua original, em uma semana. Na época do mestrado, o via nas livrarias e tinha de resistir à tentação de comprá-lo, ou sequer de ler as primeiras linhas. Sei que seria fatal.
Na minha atual incursão literária, estou me deixando levar pela insustentável beleza das palavras de Kundera. Teresa e Tomas me conquistam aos poucos. A forma simples e poética do autor já me arrebatou, e vejo-me roubando minutos entre uma aula e outra para ler os capítulos pequenos que compõem a obra. Semana passada comprei ‘O catador de pipas’, ‘Mentiras no Divã’ e aguardo que um amigo me empreste ‘Quando Nietzche chorou’. Sem falar na minha prateleira cheia de livros me implorando para serem lidos.

Além da volta ao antigo hábito, estudar já começa a me fazer falta. Decidi que começarei uma matéria especial na Faculdade de Letras da UFBA em agosto. Retornarei à casa como aluno especial de uma matéria que eu espero que seja ‘Estudos Culturais’ – tudo dependerá de eles me aceitarem e da matéria ser oferecida. Faço isso pensando talvez em um futuro doutorado, talvez apenas por diletantismo mesmo. Qualquer que seja a etiqueta, sei que vai ser uma maneira de sanar um pouco essa sede de conhecimento que anda – deliciosamente - me arrebatando.