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quinta-feira, 17 de março de 2005

Através dos vidros fechados

A luz que não ilumina o palco, porque na realidade é o sinal para o início do espetáculo, ficou vermelha e o menino, num estalo de dedos e em um gesto de reverência à sua estranha e enclausurada platéia começou o espetáculo. A esta altura os carros já tinham parado a contragosto. Já passavam das dez da noite e a região poderia ser propícia a assaltos.

Os braços eram finos, o rosto era sujo, o cabelo talvez fedesse por causa do suor que se via impregnado na sua pele – aliás, poucos viam o suor: para tanto, precisa-se olhar de perto, e aquele certamente não era um menino que as pessoas queriam ver de perto. A camisa batida lhe ultrapassava a linha da cintura em mais de vinte centímetros, os pés estavam descalços, o olhar era atento aos cocos verdes que voavam no ar. Os braços finos se revelaram fortes ao peso que a gravidade imprimia a cada um daqueles cocos. Observei os músculos delineados precocemente em um corpo ainda em formação, observei um olhar dividido entre a platéia e o côco, um pé que se equilibrava para não cair. O que eu não via era de onde vinha aquele garoto, para onde ele ia, porque ele estava ali. Eu também não via por onde ele ia, que destino o aguardava. Na realidade nem eu nem ninguém via nada, porque o vidro não deixava, a música no Cd Player não deixava, o ar do ar-condicionado que esfria a alma não deixava. A culpa também não, nem o medo. Nada deixava.

O espetáculo cronometrado pelos sentidos atentos do menino terminou. Ele se pôs a andar em direção a cada um dos vidros fechados, a pedir com os olhos – digo com os olhos porque ele aprendeu que nada se pode esperar da boca quando os vidros estão fechados - uma moeda de qualquer valor, pois eu sei que meu espetáculo vale qualquer coisa mesmo, uma moeda de qualquer valor, porque nem eu mesmo sei quanto valho.

- Uma moeda, até de dez serve, tio. – meu vidro estava aberto. Eu não tenho ar-condicionado.

- Tome aqui e boa sorte. – Dei uma moeda daquela de duas cores, na esperança de receber um muito obrigado. Não, eu não dei aquela moeda sem pedir nada em troca.

O menino virou o rosto, correu para o próximo carro. Não sei nem se ele viu que aquela era a moeda de valor mais alto que alguém podia dar. Me decepcionei com o menino. Nem um obrigado, nem um ‘valeu, tio, você é gente boa.’. Nem um olhar de gratidão?

Acompanhei-o com o olhar e só então entendi que o dia tinha endurecido o menino. Ele não via mais o que recebia, nem de quem recebia. Nem mesmo ele sabia de onde vinha, pra onde ia, porque vinha. Aquele menino, eu descobri, não sabia de nada.

A luz que não ilumina nada mudou pra cor da esperança. Engatei a primeira e deixei pra trás o menino e a moeda cujo valor agora nem eu mesmo sei qual é. Do alto, vendo aquele pequeno Ford Ka distanciar-se cada vez mais do semáforo, Deus deve ter pensado: “Lá vai mais um, em linha reta, com pensamentos tortos e um mundo ainda maior de dúvidas no coração.”

Na hora exata em que Deus pensou a palavra ‘coração’ ele atirou lá do alto uma moedinha que não tinha número, não tinha cor, não tinha desenho, não tinha nada, mas pesava como coco, ardia como chão de asfalto quente, fedia um cheiro de suor impregnado, doía com dor de braço fino, fazia a barriga roncar de fome, falava do medo de não saber para onde ir, do medo de não ter de quem esperar nada, fazia sonhar com dias no parque, som na vitrola, abraço quente de mãe, dever de casa.

Incomodado, coloquei a moedinha no console. Olhei pra ela torto, de soslaio. E lembrei que Deus, ele mesmo, às vezes também dá esmolas.