Rodo e esponja
Existem dois lados no instrumento. Um lado é a esponja, a parte que absorve a água – a parte integrativa, a que permite a atuação no meio, a que faz a outra parte mais dura deslizar e que torna possível a existência do instrumento por sua função lubrificante e facilitadora.
O outro lado é o rodo. Duro, quase cortante, o que arrasta, retira, exclui. Com ele faz-se a seleção, o abate.
Esses meninos têm nas mãos a representação dos seus destinos. A esponja eficientemente molha os vidros dos carros e faz deslizar o plástico quase cortante. De posse do plástico duro, o que se faz é abatê-los. Sem água, sem vaselina, sem piedade. Exclui-se, não absorve-se. Retira-se como poeira acumulada, como sujo indesejado.
Todos os dias o menino repete o gesto inúmeras vezes. O gesto do seu destino. A sina de repetir o signo sarcástico, a metáfora irônica. A que descreve a sua expulsão do paraíso sem direito a fome aplacada por maçã do desejo.
Quem criou a metáfora mora dentro do carro. Separado por vidros fumês e gestos indiferentes ele vê apenas o menino arriscar a ação novamente em troca de centavos. Passa a esponja, molha. Passa o plástico, retira.
O homem, motorista, intáctil, no carro. O menino, passageiro, volúvel, no asfalto.