Amor e Dor
Parece que ser humano só funciona a dor. O menos indicado, mas mais usado combustível. Nunca minha família esteve tão unida quanto no evento em que minha vó se foi, ou nesses dias em que meu tio encontra-se na UTI de um hospital. Somos unidos em situações normais sim, mas essas situações de dor e perda tendem a unir ainda mais. Uma dádiva que essas situações nos concedem. E mais uma vez a gente 'escolhe' se amar mais através da dor, a gente 'escolhe' estar mais juntos por causa do sofrimento. Seria mais fácil o outro caminho: o do Amor. Mas aí já é outra história e isso dá um caldeirão de posts.
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- Quem é a mãe do Sr. Fulano de tal? Seu filho já pode te ver.
- Sou eu - a senhora respondeu com lágrimas nos olhos, e dirigiu-se à sala da UTI, onde estava seu filho.
Eu estava ao lado daquela senhora e, quando fitei seus olhos, não pude deixar de ver a minha vó ali. Não sei explicar, mas era um 'ver' pelos olhos do coração. Minha vó estava ali sim, representada na dor de uma mãe que vê o filho num quase-partir. Ela se levantou, buscando força nesse amor que só mãe tem. Passaram-se vinte minutos e eu só via aquele olhar na minha tela mental. Era a minha vó ali, eu sabia.
Mais vinte minutos se passaram e a senhora volta, já com um sorriso nos olhos, diferente, ávida talvez por olhar o céu azul lá fora de uma forma que, suponho eu, ela não via há algum tempo. Voltei à cadeira. Fitando as outras pessoas que esperavam na ante-sala, virei-me em direção ao dia lindo que fazia naquela tarde de sol. E o engraçado era que o azul que sempre cobriu os dias da minha infância continuava lá. Inabalável.
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(e é pelo amor que se destrói aquela sina de sofrer por tudo, porque o amor faz rever os pássaros azuis e aqueles não tão mais coloridos, faz relembrar de tempos de inocência, faz segurar cata-ventos e dormir olhando a lua. O amor torna as coisas mais simples, torna o grito um gesto, suor de noite agitada em sonho bom, doença em dádiva, cansaço em satisfação, negro em arco-íris, seca em mergulho em águas azuis. E não falo aqui daquele amor dos amantes ridículos e patéticos que somos quando a alma-gêmea se aproxima, mas daquele que temos pelo inverso do que somos.)