[rituais de verão 4, ou de como furar o bolso do gringo]

- Com esse aqui dá até pra dormir. – falava pra os gringos naquele sotaque que parece resolver os problemas de compreensão. Ao mesmo tempo que falava, fazia aquele gestual em que a mão encosta a bochecha, reclinando suavemente a face e fechando por dois segundos os olhos. Eu entendi direitinho o gestual e a estratégia: conforto total, preço um pouquinho mais alto. Um outro barraqueiro que passava pareceu discordar:
-Aqui não é lugar de durmí...
Esse ai é mais esperto, afinal gringo que dorme nem come nem bebe. Aí, a conta só fica no sombreiro.
E o barraqueiro se esbaldou. A gringaiada consumiu que foi uma beleza. Cerveja e muita caipirinha a sete reais, batata frita a dez, tiras de filé a vinte, e por ai vai a conta dos gringos crescendo. Achou muito? Eu também. Mas quer saber? Não tô nem aí. Acabou-se o tempo que eu tinha peninha deles. Não defendo a desonestidade e exploração, mas pragmaticamente pensando, eles estão só ajudando a encher a barriga – espero! – de um brasileiro.
Um sombreiro a cinco reais, ou uma caipirinha a sete não é nada para essa galera que compra uma coca, lá no exterior, por cinco dólares ou cinco euros em uma boate. Se é pra ficar do lado de alguém, deixe-me ficar do lado do cara tentando ganhar a vida. Os gringos estão se distraindo. E, vamos concordar, em Miami o aluguel de uma cadeira de praia custa quinze dólares.
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Só não venha querer ME enrolar, aviso logo. A minha cor, altura, ou sei lá que diabos, me fazem passar por gringo às vezes. Já fiz cara de quem não tá entendendo nada e me deixei levar, até o ponto em que eu digo, em bom baianês, que não vai dar pra comprar não, amigo. Não pago um real na fitinha do Sr. do Bomfim, apesar de toda a minha devoção. É que fui criado na Cidade Baixa.
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Já Nancy, uma francesa que conheci no Buracão, é esperta: quatro meses de Salvador e ela já tá mais que ligada. No Buracão, um picolé – que não é Capelinha - custa 0,40. E ela pede os dez centavos de troco. Não, ela não é canguinha não. Ela é francesa. Ela é de um país onde as pessoas valorizam o dinheiro muito mais que nós. Além de francesa, ela arrasou no português, na matemática e na generosidade:
- Com esses dez centavos você inteira o picolé dele. Leo, você só precisa dar trinta. Quer de quê?
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(Na foto: gringas recém-chegadas a Salvador celebram, no Porto da Barra, o preço da caipirinha)