[tic...tac]
Hoje em dia é cada vez mais raro ouvir-se o tic-tac do relógio. Na era digital, os segundos são engolidos silenciosamente, sorrateiramente anulando o tempo que nos resta. Com o tic-tac pelo menos se sabia que a cada tic e a cada tac la se vai um sopro. A vida digital é fogo, o tempo escapa ligeiro e sem fazer alarde, mas o mais irônico é que ela própria, a tecnologia, vai ali e, poderosamente, faz tudo retornar de novo, em mil cópias se assim você quiser.
Tiraram o YouTube do ar, e com ele, entre outras coisas, o saudosismo. A democratização do passado, – seja o glorioso, seja aquele que deveria permanecer enterrado para o bem de muitos – foi temporariamente banida. É claro que basta um pouco de tempo e paciência para começarem a surgir maneiras de burlar a proibição, ou um juiz mais sensato entender que isso é censura, que acabou a ditadura explícita, e que o vídeo de Daniela Cicarelli vai existir sempre. Quem sabe com o tempo – olha ele de novo – todo mundo se esqueça até quem é Cicarelli.
01:15 pm - Há tempo de sobra, eu sei. Estou de férias, mas não há como deixar de contar o tempo. O teste do Detran não aconteceu, era na quinta e não hoje – o tempo contado no calendário me enganou. A minha identidade, com o tempo, perdeu a primeira plastificação e, mesmo se fosse hoje o dia do teste, eu não poderia tê-lo feito, aquele ali pode não seu eu, disse a moça. Vou ter de voltar lá com a minha carteira de trabalho, com a foto de meus 18 anos. O tempo passou e corroeu a imagem antiga - ou será essa a imagem de hoje, a corrompida? – a mulher vai olhar a foto ainda em preto e branco e vai olhar depois para mim. Nos segundos que vai precisar para associar as duas imagens e identificar-me através do que eu era, vou rezar para que essa ponte - a que liga o tempo de lá com o tempo de cá - me de a legitimização.
Legitimado pela moça, saberei: ali sou eu, em outros tempos.