Ancestrais
Gosto muito de passear pelo Centro de Salvador. É nostálgico. No finalzinho da tarde de hoje eu estacionei o carro e andei um pouco por lugares em que há dez, quinze anos atrás, já foram o cenário de grandes momentos da minha vida. Passei pela frente dos Cines Art 1 e 2, para lembrar que aqueles eram os meus cinemas favoritos, principalmente na época em que eu sofria de uma mini-depressão ao entardecer dos domingos e o cinema era o lugar onde eu me afugentava para fugir do pôr-do-sol, que desencadeava a tristeza. Hoje os dias são outros, não temo mais os domingos e muito menos seus entardeceres, mas sinto pela falta que aquele cinema de rua, com pipoqueiro de verdade na porta faz. E essa saudade, essa nostalgia, eu sei que é comum nas grandes e médias cidades, que hoje têm seus cinemas concentrados nos shoppings, mais confortáveis, é bem verdade, mas tão distantes daquele tempo de simplicidade que graças a Deus eu vivi...
***
E todo final de tarde que se preza, na Bahia, tem de ser regado a acarajé com coca-cola. Não resisto, mas mais gostoso do que o próprio acarajé é parar pra observar um tabuleiro de baiana. Vocês já não devem mais agüentar ler sobre esse assunto por aqui, mas é que parece que não se esgotam as palavras quando se trata desse lugar onde tanta coisa acontece. E acontece mesmo. Há um cheiro de dendê no ar, há palavras com aquele sotaque que canta nos ouvidos - apesar de ser baiano e falar cantando também, nunca deixarei meus ouvidos se acostumarem com esse jeito de falar; quero sempre sentí-lo. E eu fiquei atento; estas horas são de tamanha riqueza, que eu me comporto com uma curiosidade quase antropológica:
- ... vai seu capenga. - bradou a mulher sentada ao lado do cara que vende coca-cola.
- Capenga não! Sou de-fi-ci-en-te. - respondeu com um sorriso, demonstrando orgulho quando pronunciou a palavra 'deficiente' com todas as letras - Eu não ando com uma perna lá e outra cá. Capenga é que anda assim.
O cara era de uma simpatia, que eu não resisti e sorri pra ele, sorriso que ele me retribuiu com espontaneidade. Espontaneidade de gente feliz com a vida mesmo. Enquanto isso, no tabuleiro, iam e vinham as colheres cheias de vatapá, salada de tomate, pimenta, caruru. No fogaréu o dendê fritando os bolinhos de feijão. Uma baiana batia a massa enquanto outra acrescentava a cebola moída, num gesto, pensava eu, que vinha dos meus ancestrais, um gesto que mais uma vez se repetia, como vêm se repetindo anos a fio nessa terra dos meus amores.
E todo final de tarde que se preza, na Bahia, tem de ser regado a acarajé com coca-cola. Não resisto, mas mais gostoso do que o próprio acarajé é parar pra observar um tabuleiro de baiana. Vocês já não devem mais agüentar ler sobre esse assunto por aqui, mas é que parece que não se esgotam as palavras quando se trata desse lugar onde tanta coisa acontece. E acontece mesmo. Há um cheiro de dendê no ar, há palavras com aquele sotaque que canta nos ouvidos - apesar de ser baiano e falar cantando também, nunca deixarei meus ouvidos se acostumarem com esse jeito de falar; quero sempre sentí-lo. E eu fiquei atento; estas horas são de tamanha riqueza, que eu me comporto com uma curiosidade quase antropológica:
- ... vai seu capenga. - bradou a mulher sentada ao lado do cara que vende coca-cola.
- Capenga não! Sou de-fi-ci-en-te. - respondeu com um sorriso, demonstrando orgulho quando pronunciou a palavra 'deficiente' com todas as letras - Eu não ando com uma perna lá e outra cá. Capenga é que anda assim.
O cara era de uma simpatia, que eu não resisti e sorri pra ele, sorriso que ele me retribuiu com espontaneidade. Espontaneidade de gente feliz com a vida mesmo. Enquanto isso, no tabuleiro, iam e vinham as colheres cheias de vatapá, salada de tomate, pimenta, caruru. No fogaréu o dendê fritando os bolinhos de feijão. Uma baiana batia a massa enquanto outra acrescentava a cebola moída, num gesto, pensava eu, que vinha dos meus ancestrais, um gesto que mais uma vez se repetia, como vêm se repetindo anos a fio nessa terra dos meus amores.