Rainha
"...e do alto surgiu, num manto de luz, a Rainha dos Mundos, a mãe de todos
nós."
Rapidamente escureceu aquele dia em que a luz se fez tão presente. Nos olhos da moça se via agora apenas um resquício do brilho de um dia de verão. As nuvens cobriam a cidade e de dentro delas podiam-se ouvir os desejos, os trovões, os sussuros da tempestade. Abriu a mão como que vai agarrar uma bola que foi arremessada à distância, e esperou com elas abertas pela tempestade que traria uma explicação concreta para aquela escuridão súbita. Sentou-se no chão, ainda com a palma da mão direita voltada para o cinza escuro que lhe cobria a cabeça. Não sentia mais nada. Estava transbordando de esperança e, na espera da chuva que iria cair, pôde debruçar-se sobre seus sonhos. E, enquanto esperava, sentia uma brisa que era o prenúncio da tempestade; fechou os olhos com mais força ainda, como criança que finge estar dormindo, aguçando os seus outros sentidos. Era como se visse o cheiro, ouvisse o leve frescor da brisa, sentisse nos ouvidos o gosto de terra que aguarda um banho. Seus sentidos se confundiam, como se confundem num gozo. Ela amava a chuva; os dias de chuva eram para ela era como aconchego de colo de mãe, volta ao primeiro dia no berço, conforto de criança de manta branca cobrindo-lhe o corpo inteiro.
A chuva, de tímida, finalmente tornou-se uma senhora quase enraivecida, porque os pingos começavam a cair com a força desesperadora de uma tempestade, que ao tocar não só a mão, mas os outros geradores de sentido da moça, lhe afagavam com força de homem no cio o corpo inteiro. Abriu os braços, recostou-se na grama, agora úmida e macia como um colchão d'água. Abriu a boca insanamente, respirou a chuva, catou cada gota e sentiu-se abençoada por aquela água que vinha dos céus. Num gesto sagrado, engoliu a santa chuva, sentiu-se abençoada, virou os braços, pegou um espelho. Nele ela via um corpo molhado, cabelos escorridos, pingos que insistiam em não cair. E, de dentro dos olhos, um novo brilho, um sossego de tempestade interna, uma benção de nuvem carregada de vida. E a moça pegou nas suas mãos o seu vestido vermelho, fez dele o seu recosto e, num grito de liberdade, alardeou aos quatro mundos o seu gesto trovejante. Ela era agora a Rainha que veste rubro, nos seus olhos molhados viam-se duas espadas. E era aquele o dia, e agora ela entendia tudo, porque naquele quatro de dezembro reinava a Senhora das Tempestades, a Senhora que veste vermelho e que, num trovejo, muda o mundo.
A chuva, de tímida, finalmente tornou-se uma senhora quase enraivecida, porque os pingos começavam a cair com a força desesperadora de uma tempestade, que ao tocar não só a mão, mas os outros geradores de sentido da moça, lhe afagavam com força de homem no cio o corpo inteiro. Abriu os braços, recostou-se na grama, agora úmida e macia como um colchão d'água. Abriu a boca insanamente, respirou a chuva, catou cada gota e sentiu-se abençoada por aquela água que vinha dos céus. Num gesto sagrado, engoliu a santa chuva, sentiu-se abençoada, virou os braços, pegou um espelho. Nele ela via um corpo molhado, cabelos escorridos, pingos que insistiam em não cair. E, de dentro dos olhos, um novo brilho, um sossego de tempestade interna, uma benção de nuvem carregada de vida. E a moça pegou nas suas mãos o seu vestido vermelho, fez dele o seu recosto e, num grito de liberdade, alardeou aos quatro mundos o seu gesto trovejante. Ela era agora a Rainha que veste rubro, nos seus olhos molhados viam-se duas espadas. E era aquele o dia, e agora ela entendia tudo, porque naquele quatro de dezembro reinava a Senhora das Tempestades, a Senhora que veste vermelho e que, num trovejo, muda o mundo.
Hoje comemora-se o dia de 'Santa Bárbara', ou 'Iansã', no candomblé. Essa é a minha homenagem à força que emana desta Senhora. Eparrêi!