[o projetado e o real]

Os anjos estavam ali, eu sabia, pois eu respirava uma quietude no ambiente. Não era uma quietude proveniente do fato de que só havia uma única pessoa na platéia – pelo menos no plano físico. Era quietude astral mesmo, eram harpas tocando. E comecei a minha apresentação. O grande dia chegara afinal, e a imagem apreensiva que eu tantas vezes plasmei na minha tela mental – num misto de curiosidade e medo – afinal não tinha nada a ver com a imagem real, a que de fato se concretizou no dia D. Falei sem nervosismos, ouvi sem nervosismos, não teve aquele professor sacana que quer destruir seu trabalho, nem aquele que te quer passar a mão pela cabeça (igualmente um pesadelo). Houve professores extremamente capazes tanto emocional quanto tecnicamente, que fizeram críticas construtivas e elogios. Essa parte foi ótima, não posso negar. E ao final das críticas ainda ouvi um “você responde se quiser, são somente reflexões mesmo”. E estava finalizada a defesa. Neste ponto, já sabia que tinha sido aprovado. Ao final da defesa, você sente o clima da coisa. Agora era só aguardar o parecer.
Lá vêm então os três professores acompanhados pela secretária do Programa de Pós-Graduação em Letras. Papéis na mão, e eu fico pensando em como tive de lutar por aquele papel, dobrado duas vezes e enterrado em um envelope, carregado paradoxalmente com tanta leveza por Laís. “Mas o peso é outro”, pensei com meus nervosos botões. Houve ‘se levantar para ler o parecer’ – e nessas horas não dá pra não se sentir um réu – houve leitura formal da ata, houve as assinaturas, os aplausos, os beijos e os ‘muito obrigados’. Houve de tudo. Não faltou nada, confesso.
Agora, me surpreendo comigo mesmo pensando em doutorado quando, durante o difícil processo do mestrado, era tudo que abominava. E a vida pra mim tem sido assim: vencendo terríveis medos, projetados por mim mesmo, e depois ficando com gosto de ‘quero mais’ na boca. Vou, aos poucos, pensar nisso. Ao final, fica uma satisfação de dever cumprido e uma leve alegria por se sentir ainda tão entusiasmado pelas posibilidades de aprendizagem que existem no caminho. Independentes de títulos, de bancas e de diplomas. Aqui, é do dia-a-dia mesmo de que falo.