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sábado, 13 de novembro de 2004

Reveillon, farofa e perfume francês - Parte II (Final ?)

(Na primeira parte, a nossa protagonista estava no bem bom do ar-condicionado da Cherokee de Ariele, seu sonho de consumo, quando de repente seu mundo caiu: o carro de Lourdes, a namorada traída, estava emparelhado com o dela. Parecia que, para pagar a própria língua, a gordinha estava prestes a enfrentar a pior enxaqueca de sua vida.)
Sem desmentir a sua fama de barraqueira, Lourdes gritou do seu carro, não só para a nossa heroína gordinha ouvir, mas para quem mais estivesse de ouvidos bem limpos nos arredores:
- PARE ESSA PORRA AGORA!!! TÁ PENSANDO QUE EU SOU OTÁRIA, É? QUEM É ESSA VAGABUNDA QUE ESTÁ COM VOCÊ? ENXAQUECA, NÉ? ENXAQUECA MEU C...
- Calma, Lourdes. Eu... eu tava...
- CALMA O CARALHO... QUEM É A PIRANHA?
- Que piranha o que, Lourdes? É só uma amiga – contestou, fazendo caras e bocas.
Ariele, atônita, parou o carro no acostamento. Viu a cena aterrorizada. Nunca, nunca em sua vida inteirinha tivera de passar por tamanho constrangimento.
- Lourdes se acalme criatura, abafe que eu vou te explicar tudo...
- EXPLICAR? HÁ, HÁ, HÁ! VOCÊ NÃO CONSEGUE NEM FALAR DIREITO. OLHA AQUI, NUNCA MAIS APAREÇA, NUNCA MAIS OLHE NA MINHA CARA, OUVIU? SUA... SUA... TRAÍDORA AZARADA!
Virou-se para Ariele. O que viu foi o oposto de minutos atrás. Ela estava transfigurada, estupefata. Mesmo assim, não perdeu a classe.
- Como é que você me faz passar por uma situação dessas? – disse a voz trêmula, mas decidida de Ariele.
- Minha linda não é nada disso...
- Tsc, tsc. Tchau. Eu não preciso passar por isso.
E partiram, Lourdes e Ariele. Nossa indefesa protagonista estava agora no meio exato de uma avenida enorme, sozinha, sem um tostão no bolso. Aquela que seria a noite da sua vida acabou se transformando num pesadelo.
- Você por aqui? - alguém gritou de um carro.
- Pois é, bicha. Abafe!!! Tô aqui esperando um amigo que até agora não chegou - respondeu, super constrangida.
E assim se passaram minutos e mais minutos. Várias conhecidos passavam e faziam a mesma pergunta a ela. E para cada um ela dava a mesma resposta. Todos fingiam que acreditavam e continuavam o percurso.
Como uma coisa dessas pode acontecer comigo, pensava, com os botões da roupa que esvoaçava cada vez que um carro passava por ela. O constrangimento não podia ser pior: plena virada de século, toda de branco, sem um real no bolso, sem celular e com a cidade inteira de conhecidos passando e falando com ela. Que vergonha, meu Deus.
E eis que aparece a sua salvação.
- Você por aqui? Entra aí, o ano já vai raiar. Te dou uma carona.
Àquela altura fazer o quê? A nossa heroína entrou no Fusca 1980 de um velho amigo taxista. O cheiro de gasolina dentro do carro neutralizou na mesma hora o seu perfume francês. As outras cinco pessoas - a família de seu Dermeval - se espremeram na maior boa vontade para abrigá-la. Ela não pôde deixar de notar o olhar lascivo do filho mais velho de seu Dermeval, Laurindinho, e a protuberância nas calças do moleque. “Onde eu fui me meter, Senhor?” E lá foram eles. Destino: Praia do Farol de Itapuã. Toalha no chão, galinha assada, farofa, vinagrete e muita cerveja – para os que não bebiam, como ela, Fanta uva. De Itapuã ela olhou em direção ao norte; eram os fogos. Ariele devia estar lá a essa hora.
Interrompendo seus pensamentos, o filho mais velho de seu Dermeval se aproximou, lançou-lhe um olhar de desejo e, todo atencioso, disse:
- Aceita a coxa do frango?
A gordinha, aterrorizada diante da ameaça que seria passar a a noite ao lado de Laurindinho, caiu em si. E percebeu, para seu desgosto, que o novo século estava apenas começando.