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Foi nesses mesmos dias do ano que passou que surgiu uma paixão que me fez cruzar fronteiras, foi nesses mesmos dias do ano que passou que eu retornei à casa do pai, literalmente, foi nesses mesmos dias, quando dezembro era ainda uma criança, que eu, mais velho do que nunca, enchia de rugas o rosto à procura de um canto para morar e um canto para cantar. Foi nesses mesmos dias que eu encaixotei a minha vida e depois desencaixotei o que de fato me servia e pus nas estantes, a olhos vistos – nesses dias descobri o quanto carrego de inutilidades, que até hoje, empoeiradas, não me fazem falta alguma -, foi nesses mesmos dias que meu outro amor ainda era um contato quase virtual, foi nesses mesmos dias que escreveram lá em cima que o cruzar fronteiras teria um fim próximo, mas que viriam outras fronteiras que não seriam cruzadas até o fim dos tempos. Foi nesses mesmos dias que dei o primeiro passo ao me reconhecer em padrões repetitivos e comecei a ver a mim mesmo nesse espelho contundente à minha frente. O ano já passou e vejo, nas fotos do Natal do ano passado, a mesma criança que sorri, o mesmo brilho das ruas, a mesma carapaça e o mesmo velho sonho. Foi nesses mesmos dias que minha mãe me abraçou de volta, que eu fiz planos de vencer, que eu me desliguei do mundo em um paraíso distante, e hoje, nesses mesmos dias que nunca foram ainda pisados, nessa marca quase que sagrada da completude de um ciclo, reabro-me em um calendário novo de mais trezentos e sessenta e cinco dias, certo de que ainda falta muito, mas muito mesmo, para que esses velhos-novos dias de hoje se repitam e se refaçam na data que escrevo ali em cima.
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(bem na foto: eu, há quase 365 dias, ainda de cachinhos, na Praça Nossa Sra. da Luz, Pituba, e Pelourinho, Salvador-BA)