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sexta-feira, 20 de maio de 2005

Guia

Era um cego no meio da rua. Um cego de orgulhos inflados e desmedidos, um cego de verdade. Daqueles que nada vêem e que não aceitam uma mão de ajuda.
- O senhor por um acaso é policial?
- Não, senhor. Sou seu vizinho. - Sabia que era vizinho dele primeiro porque um cego, às dez da noite não poderia, sozinho, estar muito longe da sua casa. Segundo, porque um grupo de mendigos solidários tinham acabado de me dizer que ele morava no prédio ao lado.
- O senhor tem consciência de que está andando no meio da rua? - perguntei segundos depois de parar com a mão um carro de faróis altos que quase me deixaram cego e que estava prestes a atropelá-lo.
- Não. - virou à direita. Não tocava nele. Aprendi com Jatobá.
- Logo ali vem o passeio.
- Quem é o senhor? - insistiu.
- Seu vizinho. Moro logo ali. - não sei se 'ali' é uma referência muito boa para um cego - tem certeza de que não quer ajuda?
- Tenho.
Mas aquele senhor não me convenceu. Desconfiado, auto-suficiente, medroso. Acho estranho que ele não tenha sentido as pedras que, na rua, no meio da rua, ao tato que eu suponho ser mais aguçado nos cegos, eram maiores e mais arredondadas. Se eu fechasse os olhos sentiria a diferença e aquele homem, cujos olhos foram fechados definitiva e compulsoriamente pela vida, nada via com seus pés.
Queria terminar a noite sentindo-me útil, mas não foi possível. Quis aplacar a minha cegueira - a nossa cegueira - que remedia o dia-a-dia como anestesia em doses homeopáticas, mas suficientes para tornar macia a existência. Somos cegos parciais, cegos que só vêem o que lhes alcança a vontade. Pensei em Amélie Poulin e na forma com que ele descrevia paisagens para os cegos, sua vontade de mudar o mundo e fazer o bem. Frustrei-me, porque o moço não me deixou, duvidou de minha suposta bondade. Mas não vou negar aqui que o que eu queria mesmo era mentir pra ele, e descrever não o que eu via, mas o que eu queria ver. A minha intenção era cruel, admito.

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(Descreverei paisagens para ti. Todo passo seu será também meu, cada sorriso seu, de uma coisa que nós dois vimos juntos. Na água gelada sentirei a tua pele arder, na pedra quente a fome morta, o vinho que já sei da tua voz que não custa os olhos da cara. Os teus olhos, eu bem sei, hoje, cego que és, não pagariam um copo de vinho sequer. A brisa sentiremos no instante em que ela toca a pele, a vista, no entanto, sentirei mais intensa quando descrevê-la para ti. Não quero que percas uma montanha, uma orquídea ao longe, um pássaro, um beija-flor. Teus olhos de lince serão os meus olhos. Se teus óculos não puderem ser remendados, é pela minha íris que eu quero que mire a tua frente. Nos dois olhos meus, nós dois. Me verás porque estarei sempre à distância permitida aos míopes, me verás bem pelos sentidos todos. Altos sentidos, sextos sentidos.
Nesse momento, antes da partida, o cego sou eu, eu que nada vi ainda - cego temporário - que só consegue imaginar pela tua voz o que me aguarda ali no canto onde as montanhas, enormes, se revelam aos que vêem com a alma. É com você que quero fechar os olhos e, cego, ouvir palavras desse lugar que me apresentas. É de você que quero que saiam os sentidos aguçados pela miopia que tornei momentaneamente irremediável com o peso dos meus pés.)