A velha janela
A tua fome se explica: é que ainda não vistes o mundo. Tudo o que conheces mora ali, na paisagem da janela em que te debruças todo dia. Há mais além daquele horizonte, há mais além do que pensas que vês. Para apoiar-te, há mais do que aquele parapeito . Há mais que aquela janela para abrires. Há mais paisagens para serem vistas do que aquela a que estás tão acostumado. Pegue a tua mala, recheie-a com teus trapos velhos, os de ontem, e parta em busca de trocá-los por novos. Na viagem, redima-te de teus velhos hábitos, abra novas janelas, investigue os teus mistérios. Mas não te tranques no primeiro conforto, não contenta-te com o primeiro novo amigo, não more na primeira paisagem. Faça do diverso o teu passatempo. Da novidade, gere o teu instinto, na instabilidade plante as tuas raízes. Por que em ti há o novo a ser desperto, mas, para tanto, precisas do acolhimento de um universo recente.
Daqui da minha janela que vê o mundo te observo, daqui dessa velha janela, esse velho homem cansado que muito já viu entende a tua esperança. Caminhe sem cessar, caminhe por que um dia terás de parar em uma janela e aceitar a paisagem que te contempla. Nessa hora este velho mais velho que o mundo só poderá te dizer as palavras inúteis, as palavras do tempo, as palavras dos sonhos estáveis.
- ... e porque um dia tudo acaba, não se pode sonhar sempre. Haverás de parar em uma janela e de lá contemplar o mundo que criastes.
- Mas a minha caminhada foi dolorosa, me custou muitas vidas, muitos nomes, muitos amores.
- De nada teria valido a tua caminhada se agora não pudesses me dizer essas palavras.
E aceitou a finitude dos sonhos, sua maior limitação humana. Preparou-se para o mergulho que daria nos mundos. Catou as esmeraldas do seu céu, traçou em um velho mapa seu destino, recolheu as tulipas do seu jardim - o que seria de uma viagem dessas sem tulipas vermelhas a lhe embelezar o caminho? - e partiu rumo à ultima janela que o esperava talvez no mesmo lugar de onde partira, talvez em outro. Vá saber.