[virar a esquina]
Ontem fui a um velório. Velório de gente feliz é outra coisa. O pai morre e a filha, ainda de olhos vermelhos, porque apesar da alegria, a dor existe, solta bons humores, sorrisos verdadeiros. O pai, já defunto, sorri no caixão, parece não se importar com aquelas flores que devem coçar a pele da alma. A viúva, na hora dos pêsames, diz que está tudo bem, meu filho, e sua família, como está, vai fazer uma visita um dia desses, e continua o papo com as outras senhoras. Ouve-se um zum-zum-zum na sala, bate aquele vento frio e do lado de fora os homens resenham o dia. Eu, prostrado na porta da frente, vendo a cena, quase não acredito, mas a minha alma sim, porque ela sabe que a morte sequer existe, e insiste em dizer, Leo, o que vale é sorrir, você sabe que ele está bem, e tudo em breve estará no ritmo dos velhos passos, um dia será você, eu mesma é que não irei nunca. E me cochichou, com um sorriso-d’alma, bem baixinho, quase no mesmo tom do vento que soprava, que é preciso entregar-se a essa eternidade que não se vê com esses olhos que um dia viram pó, mas se sente no sorriso leve e quase encantado da viúva com o vestido cor azul-piscina, pronta para dar o breve adeus ao homem que povoou de sonhos a sua existência inteira.