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sábado, 23 de outubro de 2004

Guardiães dos meus pedaços

De inteiro que sou, me parto aos pedaços. E cada parte de mim se desfaz no tempo. Sou primitivo e abundante, calmo e presente, desafio o contemporâneo das coisas, e em cada um dos meus pedaços, espalhados pela vida, um anjo de asas azuis estabeleceu morada. Canto pelos cantos, mas muitas vezes sequer me ouvem. Dos anjos que me protegem, todos me reconhecem pelas minhas partes. Reunifico-me à meia-noite das noites de lua cheia e, nesse reencontro, os anjos discutem e brigam entre si. Eles querem as minhas asas. Cheio de afeição, lhes ofereço os meus pés humanos, doloridos e em pedaços. Mas os anjos, que não são deste mundo, recusam a minha oferta. Eles nada entendem do sacrifício das asas. Calo-me então. Reunificado, adormeço e com minhas asas azuis vôo nos meus sonhos.